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Visão | António Costa, Santos Silva e Ferro Rodrigues foram escutados na "Operação Influencer". Como as escutas baralharam juízes e procuradores

Visão | António Costa, Santos Silva e Ferro Rodrigues foram escutados na "Operação Influencer". Como as escutas baralharam juízes e procuradores

Alguns magistrados defenderam a destruição, outros a manutenção das conversas no processo e um juiz até achou que as escutas com o primeiro-ministro nem deveriam ser enviadas ao presidente do Supremo

O que fazer quando o primeiro-ministro e o presidente da Assembleia da República aparecem em conversas telefónicas que estão sob escuta? Durante alguns meses, foi este o debate jurídico que ocupou juízes e procuradores da “operação Influecer”, já que os telefones de João Galamba, antigo secretário de Estado da Energia, e de João Pedro Matos Fernandes, antigo ministro do Ambiente, registavam conversas com António Costa, na qualidade de primeiro-ministro, Augusto Santos Silva e também, apurou a VISÃO, Ferro Rodrigues, antigos presidentes da Assembleia da República. No último caso, de acordo com fontes judiciais, tratou-se de uma conversa sobre a candidatura da Assembleia da República a um programa de edifícios sustentáveis. A escuta, apesar de irrelevante para o a investigação, foi resumida nos autos.

De acordo com a lei, compete ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça “autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respectiva destruição nos termos dos artigos 187 a 190” do Código do Processo Penal. É, então, no artigo 188 que se encontram os motivos válidos para a destruição de escutas:

  • As que “disserem respeito a conversações em que não intervenham” suspeitos, arguidos ou intermediários, relativamente aos quais “haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido”
  • Que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado;
  • Cuja divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias;

Analisando as primeiras escutas – entre João Pedro Matos Fernandes, antigo ministro do Ambiente e António Costa – que lhe foram remetidas pelo procurador João Paulo Centeno do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o então presidente do STJ, António Piçarra, ordenou a sua destruição, por não descortinar qual o interesse das mesmas para a investigação. Numa delas, segundo informações recolhidas pela VISÃO, os dois antigos governantes combinavam tomar um café para conversar sobre uma avaliação ambiental estratégica, por exemplo. Para o antigo presidente do Supremo, tudo não passava de conversas ligadas a atos de governação. Aliás, quando foi ouvido pelo Ministério Público, segundo confirmou o seu advogado, João Cluny ao Público, António Costa não foi confrontado com nenhuma das mais de 50 conversas que, segundo a VISÃO apurou, foram resumidas no processo.

O recurso que mudou tudo

Na primeira instância, o procurador João Paulo Centeno discordou da decisão do presidente do STJ, avançando com um recurso. Em resumo, o magistrado do Ministério Público alegou que as conversas não deveriam ser destruídas, uma vez que não estavam em causa segredos de Estado, profissional ou de funcionário, nem as mesmas colocavam em causa “direitos e liberdades fundamentais”. Mais: as conversas deveriam ficar nos autos até para os arguidos terem acesso às mesmas, as quais poderiam ser utilizadas pelas respetivas defesas. 

O mesmo procurador, referia-se, já tinha pedido no processo a destruição de algumas escutas, já que as conversas em causa decorreram entre suspeitos e advogados e também entre terceiros não suspeitos. 

Para João Paulo Centeno, a lei, quando abribui ao presidente do Supremo a competência para validar escutas ao Presidente da República, presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro, não lhe dá o poder para avaliar da  relevância das conversas para a investigação, apenas para garantir se as formalidades foram cumpridas.

Para saber mais

O representante do Ministério Público no STJ, chamado a dar parecer no recurso, colocou-se ao lado de António Piçarra, defendendo que, como o seu colega de primeira instância, não alegou a relevância das conversas para o processo, estas deveriam ser destruídas. 

Por sua vez, António Piçarra, na resposta ao recurso, entre outros argumentos, considerou que até pelo próprio conteúdos das conversas, não percebia em que medida em que estas poderiam interessar à defesa dos (futuros) arguidos para sua própria defesa e que a interpretação das normas nesta matéria não deveria ser restritiva. Basicamente, para o antigo presidente do Supremo, se as escutas não eram relevantes para a investigação e pouco ou nada ajudariam as defesas, por que motivo deveriam continuar no processo?

Estas argumentação não colheu, porém, perante os juízes conselheiros Nuno Gonçalves e Maria Teresa Féria que fizeram uma interpretação literal da lei: no caso do primeiro-ministro, não basta que as conversas sejam “manifestamente estranhas” ao objeto da investigação. Para serem destruídas, é necessário que os assuntos escutados digam respeito a Segredos de Estado. Ambos os juízes conselheiros, admitindo a irrelevância das conversas escutas, declararam ser necessário um conjugação de dois factores para a sua destruição: além de estranhas, também em segredo de Estado.

Perante esta decisão, e com novas escutas envolvendo António Costa a chegarem ao Supremo, o novo presidente, Henrique Araújo, acabaria por despachar o assunto sempre da mesma forma: não se pronunciando sobre o interesse das conversas para o objeto da investigação, dizendo apenas, em observância ao acórdão de 16 de junho de 2021, que determinava a junção aos autos das intercepções.

Conversas nem sequer deviam ir ao Supremo

Não se pense que o assunto foi pacífico. Ainda antes de o Supremo Tribunal ter decidido (16 de junho de 2021) a manutenção das conversas, um juiz de instrução achava que as mesmas nem ao presidente do STJ deveriam ser remetidas.

Ao que a VISÃO apurou, em meados de 2021, e perante um requerimento do Ministério Público para o envio de conversas com António Costa para validação pelo presidente do Supremo, o juiz João Bártolo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa entendeu que a lei só dá competência ao presidente do STJ para autorizar a intercepção, gravação e transcrição de escutas aos três titulares de órgãos de soberania. Quando nenhum dos três é o alvo da escuta, considerou, a lei não prevê o simples conhecimento das mesmas. Porém, como a remessa de escutas ao STJ tinha sido a prática até então, fez seguir o pedido do Ministério Público.

A Operação Influencer levou, em novembro de 2023, à detenção de Vítor Escária (chefe de gabinete de António Costa), Diogo Lacerda Machado (consultor e amigo de António Costa), dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, que ficaram em liberdade após interrogatório judicial.

Existem ainda outros arguidos, incluindo o agora ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o ex-porta-voz do PS João Tiago Silveira e a Start Campus. Em abril, O Tribunal da Relação de Lisboa não encontrou qualquer indício de crimes na processo. Os juízes afirmaram no acórdão que as suspeitas que recaem sobre António Costa são “meras proclamações assentes em deduções e especulações”.

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