eco.sapo.pteco.sapo.pt - 8 mai. 14:39

Eliminação das portagens sem força para Montenegro repetir ameaça de demissão de Costa

Eliminação das portagens sem força para Montenegro repetir ameaça de demissão de Costa

Primeiro-ministro não tem armas nem um contexto político favorável para replicar a chantagem do seu antecessor aquando da iminente aprovação do descongelamento da carreira dos professores, em 2019.

Poderá Luís Montenegro usar a mesma arma que António Costa para travar o fim definitivo das portagens em sete antigas vias sem custos para o utilizador (SCUT), proposto pelo PS e viabilizado em coligação negativa com o Chega? Isto é, lançar a ameaça de demissão antes da votação final global da medida para forçar o partido de André Ventura a rejeitar o projeto socialista?

Em 2019, o então primeiro-ministro chantageou o país e conseguiu que o PSD, na altura liderado por Rui Rio, recuasse no acordo que tinha formado com PCP e BE para dar luz verde à contagem integral do tempo de serviço dos professores (seis anos, seis meses e 23 dias). Mas o atual primeiro-ministro não tem força suficiente para repetir a ameaça do seu antecessor e não deve seguir esse caminho, segundo politólogos consultados pelo ECO e sociais-democratas que eram dirigentes de Rui Rio à época da crise dos professores.

O paralelismo entre maio de 2019 e maio deste ano existe, mas o contexto político e o impacto orçamental das medidas são muito diferentes. O fim das portagens deverá custar, em 2025, entre 157 milhões, segundo o PS, e 180 milhões, de acordo com as contas do Governo, e não viola a norma travão, uma vez que só irá entrar em vigor a partir do próximo ano. Já o descongelamento integral da carreira dos docentes poderia chegar a mais de mil milhões de euros e seria inconstitucional, caso avançasse, porque iria produzir efeitos no próprio ano de 2019, violando assim o teto de despesa orçamental que o Parlamento tem de cumprir.

O contexto é de facto muito diferente e a verba em causa, na altura, era de um montante muito superior. Para além disso, neste momento, o risco de coligações negativas é muito maior.

David Justino

Ex-vice-presidente da comissão política do PSD

“O contexto é de facto muito diferente e a verba em causa, na altura, era de um montante muito superior. Além disso, neste momento, o risco de coligações negativas é muito maior, ou seja, o risco de o primeiro-ministro ter de cumprir a ameaça de demissão é muito maior”, sinaliza ao ECO David Justino que, em 2019, era vice-presidente da comissão política nacional de Rui Rio e coordenou o tema dos professores com o grupo parlamentar.

O ex-dirigente social-democrata recorda ainda que “o PSD acabou por mudar o sentido de voto” em relação à contagem integral do tempo de serviço dos professores, não apenas para evitar uma crise política, mas também porque “a proposta que subiu a plenário para votação final global já não tinha a menção de que o descongelamento avançaria tendo em conta a situação das finanças públicas”. “PCP e BE retiraram essa condição da proposta final, o que levou o PSD a votar contra”, conclui.

Por outro lado, a probabilidade de Luís Montenegro dramatizar como António Costa é reduzida, até porque “o PSD sempre defendeu a redução das portagens”, aponta André Coelho Lima, que era vice-presidente do PSD em 2019. “Seria incoerente o partido colocar-se radicalmente contra o fim das portagens quando, em 2020, o grupo parlamentar propôs descontos nas ex-SCUT do Interior e do Algarve”, de 50% para todos os veículos, e de 75% para carros elétricos e não poluentes. Parte da proposta do PSD foi aprovada, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2021, com os votos contra do PS e IL, tendo sido rejeita o articulado que autorizava o Governo a proceder a contrapartidas financeiras para compensar perda de receita.

Seria incoerente o partido colocar-se radicalmente contra o fim das portagens, quando em 2020, o grupo parlamentar propôs descontos nas ex-SCUT do Interior e do Algarve.

André Coelho Lima

Vice-presidente do PSD

O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, recordou recentemente esse episódio em entrevista à SIC, concluindo que “a situação é igual” face à proposta do PS, até no valor, uma vez que a despesa nesse diploma era de “150 milhões de euros”. A despesa estimada com o fim das portagens deverá oscilar entre os 157 milhões e 180 milhões.

Agora o que está em causa, com a projeto de lei do PS, é a abolição da taxas em sete autoestradas ex-SCUT: A4 (Transmontana e Túnel do Marão), A13 e A13-1 (Pinhal Interior), A22 (Algarve), A23 (Beira Interior), A24 (Interior Norte), A25 (Beiras Litoral e Alta) e A28 (Minho nos troços entre Esposende e Antas e entre Neiva e Darque). A proposta foi aprovada na generalidade com os votos favoráveis de PS, Chega, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN. IL absteve-se e PSD e CDS votaram contra. Falta agora a votação final global.

Contexto político mais desfavorável para Montenegro

O contexto político também é díspar, embora existam algumas semelhanças. Tanto agora como em maio de 2019 estávamos em vésperas de eleições europeias e o Governo não tinha maioria absoluta. Mas o Executivo socialista de António Costa era suportado pela geringonça no Parlamento (PCP e BE), enquanto o de Montenegro vive com uma maioria frágil à beira de ser debelada a qualquer momento por uma coligação negativa, como aconteceu com a abolição das portagens nas ex-SCUT. “O contexto político é muito mais difícil agora”, salienta ao ECO Paula Espírito Santo, investigadora no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP).

“O atual Governo não só é mais frágil como ainda está no início da legislatura, não tem obra feita que lhe dê força para dramatizar o discurso. Enquanto António Costa, em 2019, estava já no fim dos quatro anos de Governo, tinha obra para mostrar”, argumenta a politóloga.

O atual Governo não só é mais frágil como ainda está no início da legislatura, não tem obra feita que lhe dê força para dramatizar o discurso.

Paula Espírito Santo

Politóloga

A saúde das contas públicas tem, por outro lado, um diagnóstico mais positivo, neste momento, o que dá menos margem de manobra ao atual Executivo. “Há cinco anos, o Governo de António Costa ainda estava preocupado com a recuperação das finanças públicas, ainda não tinha conseguido um excedente, algo que só iria alcançar no final de 2019″, com um saldo positivo de 0,1%, o primeiro da história da democracia portuguesa, nota o professor de Ciência Política da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Miguel Prata Roque, que foi secretário de Estado da Presidência do primeiro Governo de António Costa, até 2017.

“Neste momento, Luís Montenegro deverá ter dois superávites sucessivos, o de 2023, de 1,2% do PIB, e o de 2024, que, nas contas do próprio Governo, poderá chegar aos 0,3%”, salienta o politólogo. “Ou seja, o Governo tem mais espaço para acomodar despesa”, acrescenta, ressalvando, contudo, que “o impacto do fim das portagens só se irá sentir em 2025”. “Em 2019, existia o problema da violação da norma travão, porque a contagem do tempo de serviço dos professores era para aplicar no próprio ano”, conclui.

Neste momento, Luís Montenegro deverá ter dois superávites sucessivos, o de 2023, de 1,2% do PIB, e o de 2024, que, nas contas do próprio Governo, poderá chegar aos 0,3%. Ou seja, o Governo tem mais espaço para acomodar despesa.

Miguel Prata Roque

Politólogo e ex-secretário de Estado da Presidência do primeiro Governo de António Costa (2015-2017)

No discurso em que António Costa ameaçou que se demitiria, o então primeiro-ministro preferiu deixar de lado a questão da inconstitucionalidade para dar primazia à injustiça social e às contas certas: “A Comissão Parlamentar de Educação aprovou na especialidade um conjunto de normas que, independentemente das muitas dúvidas de inconstitucionalidade que suscita, é socialmente injusto e financeiramente insustentável”.

E criticou a “irresponsabilidade” do PSD: “Não me compete julgar partidos políticos, mas tenho de reconhecer que o PCP e Bloco de Esquerda foram coerentes no que defendem desde dezembro de 2017. Se há alguém que é incoerente e que demonstrou total desrespeito pelo princípio da responsabilidade orçamental, da firmeza que devemos ter na sanidade das nossas contas públicas, e na afirmação da credibilidade internacional do nosso país, foram, seguramente, os outros dois partidos que se juntaram ao Bloco de Esquerda e ao PCP.”

As duras palavras de António Costa tiveram ainda respaldo na medida aprovada no ano anterior, em 2018: o Governo descongelou parcialmente a carreira dos docentes (dois anos, 9 meses e 18 dias num total de 9 anos, 4 meses e 2 dias).

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