sol.sapo.ptJoana Andrade - 26 abr. 15:12

Os epicentros do perigo

Os epicentros do perigo

Todos estes conflitos são pela conquista ou preservação da «terra». Alargar, conquistar, retomar ou consolidar territórios.

O Mundo está hoje muito mais perigoso. A ordem internacional encontra-se fragmentada e em desequilíbrio. O sistema internacional procura âncoras que parecem já não existir. O horizonte da paz é cada vez mais estreito. Este é o nosso Mundo em pleno avanço do século XXI. Esta a nova e madrasta realidade.

Os anseios geopolíticos da Rússia na Europa e o 07 de outubro no Médio Oriente trouxeram de novo a guerra e o conflito à Europa e ao Médio Oriente. O reafirmado desígnio da China por Taiwan provoca a angústia de uma guerra no espaço asiático. Tudo isto envolve as grandes potências globais sem exceção e grande parte das potências regionais. Três grandes epicentros da destabilização da paz e da cooperação regional, independentemente de qualquer plausível enquadramento narrativo. Que sempre existe.

Todos eles intentados pela força das armas e da demonstração efetiva de «Poder» e da ambição existencial dessa capacidade. É a geopolítica a funcionar no seu pleno. Tucídides (História da Guerra do Peloponeso) ou mesmo Hans Morgenthau (Politics Among Nations) estariam hoje deliciados a elaborar as suas análises prospetivas da relação entre política internacional e o Poder.

Em todas estas situações de disputa e nestes epicentros geopolíticos em causa, a questão que se sobreleva é sempre a posse e o domínio de territórios, tal como sempre o foi em séculos passados. Não existe espaço para contendas sobre a democracia, a liberdade ou os direitos humanos. Ou mesmo a liberdade económica, a questão social e a cooperação. Estes fatores servem apenas na sua maioria para ilustrar e reforçar os objetivos estratégicos identitários a atingir. No entanto a moeda geopolítica utilizada para os argumentos e invocação das disputas entre as partes, recai sempre sobre os aspetos da segurança. Segurança dos Estados, dos povos ou até das culturas e civilizações. Existe claramente uma mudança no jogo global e o espaço mediático encarrega-se de estabelecer novas e diferentes relações de poder. E de nos confrontar com todos estes dramatismos de forma muita direta.

Em consequência desta realidade do sistema internacional atual, parte do Mundo está pronta a aumentar a sua capacidade bélica. Dos Estados Unidos à Austrália, passando por todo o Médio Oriente e Norte de África e claro pela Ásia. Também a Europa está a rearmar-se. Com novas armas, novas capacidades e tecnologias militares. A ameaça militar da Rússia tocou todas as campainhas. Primeiro foi a crise energética na Europa, após fevereiro de 2022. Esta foi como sabemos resolvida em tempo, de forma conjunta e determinada pela União Europeia. O gás natural por via dos gasodutos tentaculares russos era por essa altura a principal arma de arremesso da Rússia, e o antídoto veio pela porta de entrada do Gás Natural Liquefeito, muito dele com origem nos Estados Unidos. Agora surge a ameaça verosímil de anexação de parte da Ucrânia. Depois da Crimeia em 2014. No futuro a previsibilidade que a geopolítica sempre proporciona de estas intenções serem alargadas a outras regiões e Estados vizinhos. A destruição ou a conquista da cidade Kharkiv, a segunda maior na Ucrânia, pode mesmo constituir-se no momento emblemático deste novo patamar de ameaça. Na perspetiva russa, o estado final a atingir será sempre a rendição da Ucrânia, reconhecendo esta a anexação dos territórios já conquistados pela Rússia, nomeadamente a Crimeia e as quatro regiões (Lugansk, Donestsk, Zaporíjia e Kherson). E se possível Kharkiv e Odessa. A neutralidade militar e a desejável sujeição política seriam outras das realidades a atingir neste reassumido patamar de conquista.

O aumento das despesas militares previstas e agendadas, com incrementos significativos nos respetivos PIB nacionais até 2030, marcam a agenda política, económica e financeira da maioria dos Estados pertencentes à NATO. Em especial dos países do Norte e Centro da Europa, mais próximos da zona de conflito. As grandes potências europeias (Reino Unido, França, Alemanha e Polónia) não deixarão de liderar este processo e estar na linha da frente destes desenvolvimentos. O recente auxílio do Reino Unido à Ucrânia, anunciado pelo Primeiro-Ministro britânico Rishi Sunak na Polónia, de cerca de 580 milhões de euros em material militar e o aumento progressivo do esforço militar do Reino Unido para valores de 2,5% do PIB, vem na sequência de várias outras decisões no mesmo sentido de muitos países europeus, nomeadamente a Dinamarca, Suécia, Finlândia, Países-Baixos, os Estados do Báltico e a Polónia. A Alemanha parece despertar do seu sono de décadas de desmilitarização assumida. Este tem sido e será nos próximos tempos o fio condutor das estratégias políticas e diplomáticas do espaço europeu, com pleno epicentro localizado na Ucrânia.

O novo pacote militar de auxílio americano à Ucrânia de 61 mil milhões de dólares, tem na verdade três grandes consequências. A primeira na política interna dos Estados Unidos. Com a complexa situação política interna e com as eleições presidenciais num horizonte próximo, acabou ainda assim por pesar mais, a realidade das “obrigações” internacionais dos EUA para com os seus aliados (Ucrânia, Israel e Taiwan).

Outra das consequências será a curto e médio prazo, o curso da guerra na Ucrânia. Esta ajuda deverá estabilizar a linha da frente dos combates e permitir aos ucranianos restabelecer a iniciativa militar.

A terceira grande consequência será inevitavelmente o aumentar do patamar do conflito e da confrontação geopolítica na Europa. Neste campo nem as estratégias das armas nucleares ficam de fora. Para já a Polónia pela voz do seu Presidente Andrzej Duda, veio mostrar disponibilidade para receber armas nucleares da NATO. Tudo o que já não pensávamos ser possível na Europa no século XXI.

Os EUA por sua vez mantêm e reforçam a posição dominante no apoio ao espaço ocidental, não deixando de relembrar aos europeus a sua responsabilidade nas questões de defesa e segurança. Igualmente a NATO mantém a sua política de alargamento e reforço das suas capacidades defensivas, constituindo-se como o principal garante de dissuasão na Europa.  Por tudo isto, a União Europeia precisa por esta altura de repensar (e muito) qual poderá ser o seu verdadeiro contributo para a segurança e defesa na Europa. Não basta efetuar declarações finais de meetings, em formato conclusivo, pautadas pelo modo vago e generalista. Onde nada acontece. Cada vez mais é notória a perceção de uma Europa a duas velocidades nesta matéria.

Por agora com o espaço mediático mundial “suspenso” na operação militar de Rafah! deixaremos para a semana a análise dos restantes epicentros deste sistema internacional em desequilíbrio.

Coronel e especialista em geopolítica energética
Eduardo Caetano de Sousa | LinkedIn

NewsItem [
pubDate=2024-04-26 16:12:09.0
, url=https://sol.sapo.pt/2024/04/26/os-epicentros-do-perigo/
, host=sol.sapo.pt
, wordCount=1059
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_04_26_791352443_os-epicentros-do-perigo
, topics=[opinião, opiniao]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]