expresso.ptexpresso.pt - 26 abr. 13:25

Ucrânia dá primeiros passos para pagar reparações, financeiras e psicológicas, às vítimas de violência sexual

Ucrânia dá primeiros passos para pagar reparações, financeiras e psicológicas, às vítimas de violência sexual

A primeira dama ucraniana deu um forte apoio às organizações que têm lutado e dado atenção a este tema. Milhares de vítimas continuam por ser documentadas em zonas mais a leste do país, ainda ocupadas pelas tropas russas

A Ucrânia deve começar a pagar reparações às vítimas de violência sexual por soldados russos, durante a invasão no país, ao longo das próximas semanas, e o apoio deverá abranger até 500 sobreviventes.

A medida foi anunciada no início de março pela primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, que considerou que o apoio financeiro, médico e psicológico é “um passo importante rumo à restauração da justiça” para as pessoas que foram violadas ou sexualmente agredidas pelas forças russas.

“As reparações para as vítimas de graves violações de direitos humanos, incluindo vítimas de violência sexual num contexto de conflito armado, não são apenas um apoio financeiro. E esta justiça é necessária não só na Ucrânia. A justiça para as vítimas da violência na Ucrânia são um espelho para o mundo inteiro”, evocou Zelenska, esposa do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, numa conferência sobre violência de género em Kiev.

Esta é a primeira vez que serão pagas reparações às vítimas ucranianas. Ao The Guardian, o Global Survivors Fund, a organização não-governamental que está a gerir a distribuição dos fundos doados por outros países, disse que o reconhecimento do sofrimento, mais do que a compensação, são o que mais importam aos que foram alvo de violência de género ou sexual.

“O esquema de reparação oferece uma confirmação de que o lhes aconteceu está a ser oficialmente reconhecido. E envia uma mensagem maior a toda a comunidade”, disse Esther Dingemans, diretora do fundo criado em 2019, ao jornal britânico.

Mykhailo Podolyak na sede da agência de notícias da Ucrânia, quando ainda estava protegida com sacos de areia Future Publishing/Getty Images

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Milhares as pessoas afetadas

Não se sabe, contudo, o número completo de vítimas de violência sexual na Ucrânia. A contagem das vítimas torna-se extremamente complicada quando uma grande parte do país continua ocupado pelas forças russas, que limitam a entrada de observadores internacionais, e muitas vítimas têm receio de represálias. O Global Survivors Fund estima que sejam milhares as pessoas afetadas.

Segundo o último relatório do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sobre violência sexual na Ucrânia, foram documentos por entidades independentes 85 casos ao longo de 2023, sendo que a maioria (51) foram homens, sujeitos a ameaças de violação, choques elétricos e outras práticas violentas num contexto de tortura. Mas milhares de casos continuam por contar desde 2014, aquando da invasão da Crimeia. E, na reunião do Conselho do dia 23 de abril sobre violência sexual em conflitos, a Organização das Nações Unidas alertou que, na Ucrânia, “milhares de mulheres e crianças deslocadas e refugiadas enfrentam um risco maior de serem aproveitadas por traficantes”.

Pramila Patten, a representante da ONU para a violência sexual em contexto de conflitos, afirmou nessa reunião que a Rússia usa a violação como “uma estratégia militar”, com relatos de soldados “equipados com viagra” antes de se deslocarem a uma zona ucraniana.

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Ao The Guardian, Lyudmilla Huseynova, que foi libertada numa troca de prisioneiros em outubro de 2022, contou que esteve três anos presa por forças separatistas afetas à Rússia em Donetsk, no leste da Ucrânia, relatando noites em que não conseguia dormir, situações de agressões sexuais, e a captividade passada “numa jaula sobrelotada”, onde mal conseguia respirar ou ver o sol, onde o ar “estava carregado de fumo de cigarros”, e de onde teve de ‘reaprender’ a andar.

Mas o estigma associado às vítimas, num país ainda muito conservador, foi outro desafio após a libertação.

“Infelizmente, existe muita culpabilização das vítimas, especialmente em comunidades rurais mais pequenas. Quando fui libertada, nem sequer havia uma noção sobre o que era violência sexual em contexto de conflito”, disse.

Quando foi libertada, foi atendida num hospital “sobrelotado e com falta de pessoal”, onde também aí sentiu dificuldades em falar sobre o que sofrera. “Eu não responsabilizo os médicos lá porque não estavam preparados para lidar com alguém como eu. Eles não sabiam como abordar ou como falar contigo, o que causou ainda mais danos psicológicos a longo-prazo”.

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Huseynova acabou por se tornar numa ativista em defesa dos sobreviventes de violência sexual em contexto de conflito, tanto na Ucrânia, como nas outras partes do globo, e das mulheres que continuam presas.

“As reparações podem ajudar, mas também precisam de incluir apoio físico e de saúde mental. O trauma da violência sexual nunca acaba”, sublinhou.

Esther Dingemans elogiou a primeira-dama ucraniana e as autoridades do país por mudarem a forma de pensar na violência sexual, e já há novas leis a serem avançadas que permitirão um apoio maior a vítimas desses crimes. E essas vítimas incluem homens que, como comentou Fedir Dunebabin, “raramente procuram ajuda”.

“Felizmente, este não foi o caso na Ucrânia. Muitos sobreviventes masculinos estão a chegar-se à frente para lutar pelos seus direitos e pela justiça”, declarou o representante do Global Survivors Fund na Ucrânia.

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