www.sabado.ptRicardo Borges de Castro - 26 abr. 10:41

Os estados da democracia na Europa e no mundo

Os estados da democracia na Europa e no mundo

Opinião de Ricardo Borges de Castro

Visto de Bruxelas, o estado global da democracia já teve melhores dias. Já aqui tínhamos falado da terceira vaga de democratização que começou no 25 de Abril 1974, ou seja, ontem, há 50 anos. Ora, desde 2005, a maré parece ter virado e a tendência é de recuo, uma circunstância que Samuel Huntington tinha identificado também em vagas anteriores. A vantagem deste pensamento tipo pendular é que o renascimento democrático é possível outra vez. O risco é ficarmos parados a espera que ele aconteça.

De acordo com o último relatório da Freedom House – uma organização norte-americana que, desde 1973, estuda e avalia anualmente o estado da democracia e das liberdades no mundo – há dezoito anos consecutivos que se observa uma erosão democrática global. No último ano, de acordo com a unidade de análise do The Economist que também tem o seu índice democrático, conflitos e polarização são vistos como os grandes responsáveis pelo agravar desta tendência negativa.

No entanto, a Fundação Bertelsmann no seu barómetro de ‘transformação’ política identifica sinais positivos de mobilização civil e popular contra tendências autoritárias crescentes. Nem tudo é mau, mas podia ser melhor.

No continente europeu a radiografia é mista. Comparada com outras partes do mundo, pode-se dizer que a Europa é um oásis democrático. Mas nem tudo vai bem. Na União Europeia, só a Hungria não é considerada uma democracia plena pelos seus ataques ao Estado de direito e às liberdades e direitos fundamentais de algumas minorias. A Polónia, que tinha sido fonte de preocupação nos últimos anos, voltou a ter um governo mais liberal e pró-europeu. Tem agora oportunidade de inverter o caminho descendente que vinha levando.

De todos os pretendentes à adesão à EU, só a Turquia falha o teste democrático. Mas, confirmando o que a fundação alemã diz, a vitória da oposição nas recentes eleições locais, infligindo uma derrota a nível nacional ao partido do Presidente Erdogan pela primeira vez em mais de 20 anos, sugere que é possível empurrar o pêndulo a favor da democracia.

Os mais recentes candidatos tais como a Ucrânia, a Moldova ou a Geórgia são considerados democracias imperfeitas. A atual situação geopolítica e de conflito na região não é alheia àquela avaliação, mas a implementação de reformas, por exemplo, ao nível do sistema judiciário, de combate à corrupção e à captura do estado por interesses instalados, e de redução da polarização política, é fundamental para melhorar o estado da democracia nestes países.

Para lá destes e entrando pela eurásia o oásis é outro: o das ditaduras e dos regimes totalitários como o russo. É o deserto da democracia que parece irradiar de Moscovo secando quase tudo à sua volta principalmente para sul e para o leste com exceção da Mongólia que, tipo aldeia democrática do Asterix, fica entalada entre a Rússia e a China – uma ditadura de partido único. É de assinalar que Bruxelas tem procurado desenvolver relações estreitas com Ulan Bator precisamente por ser um bom exemplo numa região difícil. O crescimento de regimes autoritários e iliberais no mundo cria dificuldades à UE especialmente porque vem acompanhado (ou resulta também) da turbulência internacional dos últimos anos, forçando Bruxelas a tornar-se mais ‘geopolítica.’ Mas, voltaremos a este tema noutro espaço…

Quando Bruxelas olha para o outro lado do Atlântico, a ansiedade democrática também não diminui. Pelo contrário. A perspetiva de reeleição de Donald Trump em Novembro gela o sangue de muitos líderes e decisores políticos europeus pelas consequências devastadoras que poderá ter, com a segurança e defesa do continente à cabeça. Mesmo que Joe Biden prevaleça, a democracia americana vai continuar a ser testada por forças políticas tanto internas como externas. Tal, poderá levar a um maior isolamento da potência global com consequências para o estado da democracia no mundo.

Um dos maiores desafios para as democracias liberais contemporâneas, para além dos populismos de direita e de esquerda, é a crescente fragmentação do espaço político-partidário que vem também acompanhada de polarização (muitas vezes alimentada por desinformação e interferência externa), e falta de liderança.

A fragmentação política em si mesma não é necessariamente negativa: mais partidos significa ter mais opções políticas por onde escolher e potencialmente maior participação. A dificuldade surge depois pela incapacidade de forjar consensos ou maiorias que possam garantir estabilidade e governabilidade. Olhe-se para Portugal.

Uma vez, numa daquelas discussões idiotas que se tem na rede social X (ninguém é perfeito…), apelidaram-me de "centrist dad." Confesso que na altura não percebi a tirada. Já me tinham chamado de ‘daddy,’ mas num contexto bem diferente! Correndo o risco de me acharem anacrónico, continuo a acreditar que a moderação e a abertura, sobretudo para com aqueles que têm ideias diferentes das nossas, são fundamentais numa sociedade onde coexistem diversos projetos políticos e onde é preciso conciliar os interesses da maioria com os das minorias.

Hoje, grita-se muito, mas faz-se menos. Acantonamo-nos rapidamente nas nossas ‘tribos’ de pensamento em busca de um conforto falso que não resolve os problemas de fundo.

Pode ser um cliché, mas mudança é mesmo a única constante. Revoluções como as do 25 de Abril são precisas, especialmente quando se impedem as mudanças pela via democrática, mas depois é importante haver liderança para encontrar soluções que possam somar em vez de dividir como Portugal também soube fazer.

Acima de tudo, é preciso não dar as nossas liberdades e democracias por garantidas. Tocqueville escreveu no ‘Da Democracia na América’ uma das frases de que mais gosto: "I should have loved freedom, I believe, at all times, but in the time in which we live I am ready to worship it."*

50 anos depois do 25 de Abril, é tempo para amar, mas também para venerar a liberdade e a democracia, por atos, palavras e convicção.

Até daqui a 15 dias para falar sobre o dia da Europa.

*"Eu deveria ter amado a liberdade, acredito, em todos os momentos, mas no tempo em que vivemos estou pronto para venerá-la."

Mais crónicas do autor 09:41 Os estados da democracia na Europa e no mundo

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