visao.ptSARA NUNES - 26 abr. 10:22

Visão | Portugal: Cravos que trouxeram desenvolvimento

Visão | Portugal: Cravos que trouxeram desenvolvimento

Hoje, livre das suas respectivas ditaduras, juntos, os dois países podem aproveitar melhor esse momento em que o tabuleiro global de forças abriu uma janela de reorganização: o Brasil é um dos países do sul global com melhor capacidade de passar a sentar no restrito clube das potências globais. Já Portugal tem uma posição geopolítica privilegiada como membro do mercado comum europeu e pelos laços históricos com a África

Há exatamente um ano, no dia 24 de abril, no Palácio de Queluz, perto de Lisboa, tive a grande alegria e o privilégio de testemunhar a entrega do Prêmio Camões a Chico Buarque, um momento de mágica comunhão de afetos entre os dois países. O novo presidente do Brasil, Lula, e o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, finalmente fizeram a esperada entrega, que vinha sendo adiada durante toda a Presidência brasileira anterior. 

A cerimônia foi capitaneada conjuntamente por dois presidentes, que, não partilhando o mesmo espectro ideológico, mesmo assim, partilham o campo democrático. Da mesma forma que os seus partidos, o PSD (Portugal) e o PT (Brasil), que hoje governam Portugal e Brasil. Um sopro de civilidade em tempos difíceis aqui e aí.

O simbolismo de negar-se a entregar – a um dos grandes artistas do Brasil – o maior prêmio da literatura portuguesa, instituído em 1988 – aliás, ano da Constituição Cidadã no Brasil –, é um bom resumo de como andava a nossa relação com a Europa, e especialmente com Portugal, nossa porta de entrada para o continente e suas oportunidades.

Ao revisitar o passado para aprender com ele, “regressamos” até 1973, ano em que Chico Buarque lançou a música “Fado Tropical”. Um ano antes, portanto, da Revolução dos Cravos. Nela, fazia uma crítica social ao momento em que se encontrava o Brasil, que tinha entrado então na fase mais aguda da sua Ditadura; e Portugal, que já estava há décadas sob o regime de Salazar. Éramos duas nações irmãs, vivendo sob regimes de exceção, e era o mesmo Chico Buarque, usando o brilhantismo da sua arte como ponte de afeto entre os dois países:

“Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal.

Ainda vai tornar-se o imenso Portugal.

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal.

Ainda vai tornar-se um imenso Portugal.

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal.

Ainda vai tornar-se o Império Colonial.”

Quis o destino que um ano depois da música de Chico ser lançada, Portugal saísse da ditadura com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, e o que era uma crítica tornou-se um sopro de esperança pelos que defendiam a Democracia: o Brasil precisava sair da sua Ditadura e virar um “imenso Portugal”. E, assim, Portugal serviu de inspiração e exemplo para o Brasil, mas o caminho foi longo e penoso: só tivemos eleições livres para presidente em 1989, com a promulgação da já citada Constituição Cidadã.

Passados 50 anos, o Brasil tem a auspiciosa possibilidade de aproveitar o renascimento de Portugal, como um hub cultural e de inovação global, por meio do desenvolvimento de um ecossistema econômico que ganhou força principalmente com o Web Summit. Uma transformação que apenas o ambiente democrático poderia permitir.

A democracia fez Portugal mais rico, mais justo e mais competitivo. É inegável que existem muitos desafios, mas a melhoria de todos os indicadores sociais precisa ser registrada e celebrada como conquista da Democracia.

Em um debate, nessa segunda de 22 de abril, com o veterano jornalista da Associated Press Dennis Redmont, que veio para Portugal em 1965, perguntei como era o país sob Salazar e ele respondeu rapidamente: “triste”. Beijos públicos eram proibidos, e para as mulheres só era socialmente aceitável trabalhar como enfermeiras ou professoras. Entretanto, tinham que pedir permissão ao Estado para casar se escolhessem a carreira. Os jovens iam beber Coca-Cola na Espanha. É claro que, nesse ambiente, a inovação nem sonharia em florescer. 

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A oportunidade de Portugal não está no tamanho da sua economia, mas nos acessos que ela permite: o Brasil precisa aproveitar melhor isso.

Certamente esse terá sido um dos temas centrais do jantar oferecido ontem, pelo Embaixador de Portugal no Brasil, ao Presidente Lula para celebrar o 25 de abril: torcemos para que a prometida abertura da Casa Brasil, que reúne APEXBrasil, Embratur e SEBRAE em Lisboa, se concretize com brevidade.

Que venham os próximos 50 anos de democracia aqui e aí!

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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