eco.sapo.ptGonçalo Pina - 26 abr. 09:05

A Política sem Romance

A Política sem Romance

É difícil não ser romântico sobre a política na altura do 25 de Abril. Um debate político bem informado, que trate os portugueses como adultos, poderia reforçar a confiança na nossa democracia.

A confusão recente à volta do corte do IRS mostra o limite da comunicação política. O debate político tornou-se tão performativo que já não interessa o que está a ser discutido. É compreensível que os políticos sejam ambíguos antes das eleições. As propostas específicas prejudicam sempre alguém. Contudo, mesmo quando se percebeu qual seria o montante do corte do IRS proposto pelo governo e quais os escalões de rendimento afetados, a atenção continua mais focada na forma como a política pública foi comunicada do que no seu conteúdo.

Não seria difícil termos discussões melhores sobre políticas públicas. Uma hipótese a considerar seria incorporar mais os modelos económicos no debate político. Na economia ortodoxa, que conheço melhor, cada pessoa pode ter modelos mentais diferentes sobre como o mundo funciona, e claro, estas visões são moldadas por preferências políticas. No entanto, modelos económicos explícitos, com fórmulas matemáticas e números, disponíveis para análise e replicação, permitem uma discussão séria sobre o que está realmente em causa. Estes modelos são essenciais para comunicarmos os nossos pressupostos, os mecanismos que pensamos ser relevantes, os valores envolvidos nas propostas de políticas públicas, e claro quem beneficia e quem é prejudicado.

Estes modelos nem têm de ser demasiado complicados. Bastava uma folha de cálculo simples para evitar a confusão sobre o IRS. Especialmente durante as campanhas eleitorais, o debate podia focar-se num número pequeno de políticas públicas bem pensadas, em vez de se ter de dizer nada sobre tudo.

É verdade que mesmo modelos básicos dão trabalho a fazer e a escrutinar. Felizmente, existem bastantes recursos disponíveis, como se pode ver diariamente com políticos e comentadores a fazerem leituras políticas intermináveis. Algumas destas leituras podiam ser feitas em silêncio e sobrava algum tempo para discutir as políticas públicas a sério.

O contexto atual de um governo minoritário no parlamento, onde é preciso negociar política a política, é uma oportunidade para discutir propostas com base em dados concretos. Seria benéfico até ter um organismo independente que avaliasse as políticas públicas, como alguns países têm. Mas já era bom partilhar as propostas concretas, garantir que os dados necessários estão disponíveis, e haver disponibilidade para o debate.

Isto não significaria o fim de uma política mais aspiracional. Seria antes um equilíbrio no debate para incluir discussões mais aprofundadas sobre políticas públicas, e como tal levar mais a sério tanto os problemas que queremos resolver, como as limitações das políticas disponíveis. Permitiria também perceber a política como uma série de negociações e trocas entre pessoas com interesses diferentes, onde é preciso fazer compromissos. Esta visão de uma política sem romance, para citar James Buchanan, é a base da teoria de Escolha Pública (não concordo com tudo, mas vale a pena ler).

É difícil não ser romântico sobre a política na altura do 25 de Abril. É uma altura linda em que tudo parece possível. Um debate político bem informado, que trate os portugueses como adultos, poderia reforçar a confiança na nossa democracia numa altura em que está um pouco mais frágil.

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