visao.ptSARA NUNES - 26 abr. 10:24

Visão | A Tik Tok de caixa

Visão | A Tik Tok de caixa

Seja num mercado digital mais liberal (Modelo Americano), ou num modelo centrado nos direitos do utilizador digital (Modelo Europeu), ambos conseguem percecionar o risco da utilização de plataformas como o TikTok, que não correspondem nem a um nem a outro.

A rede social TikTok está a pôr os cabelos em pé a meio mundo. Dos Estados Unidos da América até à União Europeia sucedem-se as exigências de alteração dos comportamentos da plataforma e as ameaças de poder ser banida em determinados territórios. Num ou noutro continente são identificados riscos da utilização da aplicação, ainda que por motivos bastante díspares. Importa, por um lado percecionar a argumentação, mas igualmente as diferentes visões que a contextualiza. 

Comecemos pela tomada de posição americana: a Câmara dos Representantes votou favoravelmente uma proposta legislativa que impõe um prazo de 9 meses para a que a Bytedance – acionista maioritária do TikTok – venda as suas quotas a cidadãos não chineses. Caso contrário e sem que isso venha a ser demonstrado, a plataforma será banida em território americano.

Para saber mais

O texto aprovado considera, inclusivamente e sem medo das palavras, que o TikTok  se revela uma ameaça à segurança nacional. Consideram os Representantes americanos que os dados de todos os utilizadores do TikTok são partilhados com a China, mais concretamente com o Partido Comunista Chinês, o que se concretiza numa prática de espionagem.

Tanto assim, que o representante do Estado do Texas, Michael McCaul – autor do projeto de lei – declarou na apresentação, que “esta aplicação é um balão espião nos telefones dos americanos a favor dos interesses chineses”.

O argumento, no território europeu, é de outra ordem. Mais centrado nos utilizadores e não tanto nas ameaças à segurança de qualquer dos Estados Membros. No Direito da União Europeia já se encontram regulamentadas – após concessão de um prazo de adaptação – as obrigações resultantes para as entidades que prestam serviços digitais, concretamente no denominado Digital Service Act (DSA). São ali estabelecidas obrigações especificas para os ‘Gatekeepers’ – porteiros do mercado digital – que correspondem às grandes plataformas digitais e que geram reconhecimento significativo no mercado (Google, Apple, Facebook e Amazon, e TikTok). Razão pela qual a Comissão Europeia se viu na necessidade de iniciar, a 22 de Abril, não o primeiro, mas o segundo processo formal de inquérito que visa o TikTok. Neste último, por considerar que o recente “Programa de Tarefas e Recompensas”, disponibilizado na plataforma, ter um efeito viciante particularmente preocupante para as crianças – já que inexiste qualquer mecanismo de verificação da idade dos utilizadores – ao mesmo tempo que acarreta potenciais efeitos negativos na saúde mental, em face da busca de aprovação (likes e comentários) por quem assiste ao conteúdo partilhado.

Ao analisar ambos os argumentos (americano e europeu), somos forçados a concluir que existe uma diferença significativa entre eles. Quer nas potenciais consequências, quer nos fundamentos. Mas ambos transportam a necessidade de o TikTok se adaptar a mercados fora da China.

Não por acaso, até agora, existem 3 grandes impérios digitais. Cada um segue fundamentos e objetivos distintos, como bem escreve e densifica Anu Bradford, no seu livro Digital Empires.

O modelo nos Estados Unidos da América, a que chamaremos modelo americano, olha para o mercado digital como uma realidade económica com um capital de inovação e de dinamização da economia com enorme potencial. Importa vender e gerar receita. Qualquer regulamentação ou limitação desse mercado, constitui um entrave e uma dificuldade que deve ser rejeitada. No modelo americano a única justificação para proibir ou exigir comportamentos em matéria digital prende-se com as funções e atribuições estaduais – acima de tudo a garantia da segurança nacional. Como tal, quando se considera que a segurança nacional está em risco a medida é tão dramática quanto banir tudo o que tiver de ser.

Já o modelo europeu coloca o utilizador esclarecido no centro de toda decisão digital. Como tal, quando os operadores digitais (TikTok ou outros), não fornecem toda a informação ou todo o esclarecimento, ou usam de meios sub-reptícios, ou mesmo enganosos, para gerar os seus lucros, é necessária a regulamentação e a intervenção legislativa, com vista a corrigir a falta de conhecimento do utilizador.

Lucro digital com aproveitamento da ignorância do utilizador é tido como uma externalidade positiva que carece de ser corrigida.  A necessidade de consciência, esclarecimento e perfeita compreensão do utilizador nada tem a ver com funções ou atribuições do Estado. O conhecimento e a decisão informada, leal e transparente, de quem usa meios digitais, no modelo europeu, justifica a maior proteção dos públicos mais vulneráveis, como os menores e dos idosos.

O comportamento do TikTok e as ameaças não são meras casualidades.

As empresas tecnológicas provenientes da China são financiadas de forma abundante e criteriosa pelo Partido Comunista Chinês e as suas operações dependem na sua quase totalidade de relações com as elites políticas – razão, aliás. pela qual a ByteDance não pode dar cumprimento às exigências do Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Acresce ainda que o império digital chinês assume que a informação disponível digitalmente deve essencialmente garantir a paz e a estabilidade da do coletivo, e não considera qualquer respeito pelo utilizador digital individual, procurando mais obter informação do que o esclarecimento do utilizador – o que igualmente implica uma dificuldade de compromisso com o modelo europeu.

Será possível evitar que o TikTok desapareça a toque de caixa?

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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