www.sabado.ptMariana Moniz - 25 abr. 16:48

O tráfico sexual de crianças

O tráfico sexual de crianças

Opinião de Mariana Moniz

Nos dias que correm, o tráfico de menores para fins de exploração sexual é um crime raramente discutido ou abordado pela sociedade, apesar de sabermos que o número de casos, na Europa, tem disparado nos últimos anos.

Com este tipo de tráfico referimo-nos ao recrutamento, transporte, exposição ou obtenção de um menor com o objetivo de comercializar atos sexuais com o mesmo. Este tipo de infração é, com efeito, frequentemente ocultada e, tendencialmente, eclipsada pela relativa tolerância da sociedade a estes temas, ou, prontamente, negada por quem não reconhece a gravidade do problema. No entanto, reconhecendo que este é, de facto, um problema multifacetado e altamente complexo, merece reflexão, com vista a conhecer-se o modo como este fenómeno ocorre.

De acordo com a associação Youth Underground, a idade média de crianças prostituídas ronda, atualmente, os 13 anos de idade e esta reduzida idade reflete a tendência perturbadora atual de que "nenhuma criança é demasiado nova" para fins de prostituição. E não falemos somente de prostituição: a pornografia de menores tem registado um semelhante padrão, com uma explosão, nos últimos anos, do número de partilhas de imagens de crianças a serem sexualmente exploradas.

Um fator que despoleta grande incerteza em quem ouve falar de prostituição de menores surge da aparente aceitação e normalização, por parte do jovem, da sua situação. Mas é precisamente a tenra idade das vítimas que contribui para esta atitude: os menores não têm a capacidade de proteger os próprios interesses face ao poder e vontade dos adultos. Em casos de prostituição de adolescentes, a necessidade de obter estatuto social e a priorização de experiências novas e intensas, própria da idade em que se encontram, é frequentemente utilizada contra estes jovens para os "empurrar" na direção deste estilo de vida, sobretudo se motivada por questões de sobrevivência da esfera familiar, em países mais pobres.

A maior parte dos menores envolvidos em redes de tráfico sexual já foi sexualmente abusada no passado, abandonada pela sua família ou fugiu de casa. Assim, o seu desejo de "pertencer" torna estes jovens especialmente vulneráveis às táticas utilizadas pelos traficantes.

O processo de "grooming" (ou seja, de preparação da criança para a prostituição), recorre a um conjunto de estratégias de recompensa e punição, aceitação e degradação, que produz uma intensa lealdade e ligação da criança para com o traficante, enquanto perceção de caminho possível para sobreviver. Assim, a produção das sensações simultâneas e antagónicas de medo e gratidão forja uma dependência dos menores em relação ao traficante que é explorada pelo último, no sentindo de prostituir estes jovens. Os traficantes, ao proporcionar às vítimas novas identidades, nomes e documentação, e ao eliminar a sua identidade anterior, tornam-nas eficazmente sua propriedade. O objetivo final destes traficantes é criar uma vítima que "consinta" com o crime, para que, se esta for abordada pelas autoridades, negue que esteja a ser traficada. E, com efeito, muitas das vítimas, quando escapam da situação em que se encontram, regressam mais tarde aos abusadores. Esta relação de dependência, construída com base no trauma e pautada pela lealdade e vinculação extremas da vítima para com o traficante, tornam este tipo de crime altamente difícil de identificar e abordar.

Olhando para as consequências do tráfico sexual de menores, é certo que estes jovens levam uma vida continuamente ameaçada com violência e abuso físico. Muitos destes menores reportam hematomas, ossos partidos, queimaduras e muitas outras lesões. O abuso sexual torna-se, lamentavelmente, parte da sua vida quotidiana, levando a um número de casos imensurável de jovens com doenças sexualmente transmissíveis, abortos forçados ou infertilidade. Estes jovens também têm uma probabilidade acrescida de desenvolver problemas relacionados com o consumo de substâncias.

Em função da exposição constante a eventos traumáticos e a tensão psicológica, muitos dos menores traficados reportam sintomas depressivos, de ansiedade e traumáticos, como problemas de sono, alterações súbitas de humor e dificuldade em lembrar eventos.

Vemos, então, que esta é uma problemática multifacetada e complexa, que deve ser abordada cuidadosamente, tendo em conta a relação disfuncional de dependência e lealdade que pode existir entre o traficante e a vítima. Os profissionais de saúde encontram-se numa posição privilegiada do ponto de vista de acesso a estas vítimas, pelo que a identificação de casos pode ser ajudada por estes, se existir particular atenção aos sinais: há um historial de dependência de álcool e drogas? O jovem já fugiu de casa, no passado? Já esteve envolvido com as autoridades, no passado? Já sofreu lesões traumáticas ou outros ferimentos significativos? Já teve uma doença sexualmente transmissível? Tem um historial de muitos parceiros sexuais? Todas estas questões podem e devem ser tidas em conta em situações de suspeita de tráfico sexual.

A importante conclusão a reter é que, não obstante a lealdade intensa para com o traficante e o aparente consentimento com o estilo de vida levado a cabo, estes jovens foram (e são, constantemente) alvo de um intricado processo de manipulação, não tendo maturidade psicológica suficiente para refletir sobre os seus comportamentos sexuais. Se suspeita da existência destas situações, reporte. Quebre estas correntes. Mais crónicas do autor 07:00 O tráfico sexual de crianças

De acordo com a associação Youth Underground, a idade média de crianças prostituídas ronda, atualmente, os 13 anos de idade e esta reduzida idade reflete a tendência perturbadora atual de que "nenhuma criança é demasiado nova" para fins de prostituição.

12 de abril As mães que matam os filhos

Talvez, de facto, não consigamos falar de um "instinto maternal", pelo menos no sentido tradicional da palavra ou da expectativa social em torno da mesma.

29 de março Entre quatro paredes: a violência sexual nas relações íntimas

Como a manutenção de relações sexuais é uma parte central de muitos relacionamentos amorosos, torna-se essencial definir a linha entre o aceitável e o inaceitável, entre o consentimento e o abuso.

15 de março Consequências do aborto na saúde mental

Uma grande percentagem das mulheres destes estudos que levaram a cabo IVGs manifestaram sintomas depressivos e de ansiedade, mas a verdade é que estes sintomas já estavam presentes antes do aborto, pelo que estes sinais não são, portanto, uma consequência necessária do procedimento.

01 de março Coragem para ser: A saúde mental em jovens minorias sexuais

Em Portugal, 23% dos jovens já teve pensamentos ou comportamentos suicidas. Esta prevalência é ainda maior quando falamos em minorias sexuais, isto é, jovens pertencentes à comunidade LGBTQIA+.

Mostrar mais crónicas Tópicos Mariana Moniz opinião Razão e Emoção tráfico crianças
NewsItem [
pubDate=2024-04-25 17:48:51.0
, url=https://www.sabado.pt/opiniao/convidados/mariana-moniz/detalhe/o-trafico-sexual-de-criancas
, host=www.sabado.pt
, wordCount=1055
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_04_25_609595254_o-trafico-sexual-de-criancas
, topics=[opinião, mariana moniz]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]