eco.sapo.ptAntónio Costa - 24 abr. 11:23

Sebastião Bugalho é uma escolha de risco?

Sebastião Bugalho é uma escolha de risco?

Bugalho tem de mostrar, na campanha, que estará à altura das responsabilidades, do risco que Montenegro assumiu por necessidade ou convicção. E Temido, tem um pensamento que seja sobre a Europa?

A escolha do jornalista e comentador Sebastião Bugalho como cabeça de lista da AD para as europeias agitou a vida político-mediática portuguesa como não se via há muitos anos. Nas últimas 48 horas, ouviu-se de tudo para diminuir uma candidatura que rompe com um certo estado de sítio, uma estagnação em águas que estão sempre reservadas aos mesmos.

Abro uma exceção para uma declaração de interesses: Sou amigo de Sebastião Bugalho, não sou conservador, sou liberal, nem sinto a Fé, sou agnóstico. E, jornalista, não me sinto em causa com a decisão do agora candidato. Nenhuma destas condições limita a capacidade de análise independente sobre uma escolha política de risco, numas eleições que poderão determinar o futuro político deste Governo quando for o momento da votação da proposta de orçamento para 2024.

Luís Montenegro geriu mal o processo de escolha do cabeça de lista da AD às europeias. É absolutamente compreensível a posição de Rui Moreira depois de meses em que foi noticiada e nunca desmentida a possibilidade de ser a escolha para número um da lista ao Parlamento Europeu. Não havia necessidade. Se o presidente da Câmara do Porto não era uma opção, o presidente do PSD deveria ter sinalizado essa decisão em tempo útil.

Sebastião Bugalho será o primeiro a saber que uma das razões que levou Montenegro a convidá-lo para cabeça de lista é a sua força mediática. Dito de outra forma, o seu percurso profissional nos últimos anos passou pela TVI24, CNN Portugal e SICN e Expresso e isso deu-lhe uma relevância sem paralelo para um jornalista/comentador com a sua (pouca) experiência. Obviamente, aparentemente menos óbvio do que deveria, esta ascensão profissional resulta de uma coisa muito simples: Inteligência e capacidade e ética de trabalho (e nesta caso particular, a ética não é coisa de somenos).

Sorte de principiante, entrevistei Sebastião Bugalho para o ECO magazine (pode ler aqui), que chega esta semana às bancas. Uma entrevista combinada a 8 de abril e realizada a 10 de abril, na verdade uma conversa, sobre os 50 anos que passaram e sobre o 25 de abril. Falou-se de política, dos líderes, de jornalismo e do seu próprio futuro. As perguntas sobre a linha que divide a sua posição jornalística e um comentário com assinatura clara à direita estão lá. E a leitura da entrevista nas entrelinhas permite perceber o que Bugalho tentava esconder, a sua ambição política, não pelo poder, esse já tinha como comentador, mas pelo serviço. O poder, aliás, que corre o risco de perder se o resultado for negativo para si e para a AD.

"O efeito-Bugalho é ainda uma incógnita. A sua capacidade intelectual e consistência de pensamento só podem ser desvalorizados por má fé (ou ignorância), mas essas condições estão longe de garantir uma vitória eleitoral. Desde logo, vai ter um caminho difícil porque os jornalistas não lhe vão facilitar a vida. Mas Bugalho tem a obrigação de contar com isso, e não deve pedir outra coisa senão a verdade.”

O efeito-Bugalho é ainda uma incógnita. A sua capacidade intelectual e consistência de pensamento só podem ser desvalorizados por má fé (ou ignorância), mas essas condições estão longe de garantir uma vitória eleitoral. Desde logo, vai ter um caminho difícil porque os jornalistas não lhe vão facilitar a vida. Mas Bugalho tem a obrigação de contar com isso, e não deve pedir outra coisa senão a verdade.

Na entrevista ao ECO magazine sobre o seu futuro, e a política, afirmou: “Eu acho que estou a construir uma relação com as pessoas, e acho que tenho que preservar e proteger essa relação. Eu tenciono fazer aquilo que estou a fazer, estou a tentar cumprir o meu papel o melhor que posso. Eu gosto de escrever, gosto das entrevistas, gostaria de publicar um livro ou dois“.

Obviamente, é legítimo questionarmo-nos se o perfil que escreveu ainda há poucas semanas sobre Luís Montenegro no Expresso tem a independência que se exige. Bugalho apresentou-se aos portugueses desde há anos como um jornalista/comentador independente, coisa diferente de não ter uma opinião e visão sobre o país e o mundo, por isso tem desde já uma obrigação: Explicar as condições em que foi convidado, quando é que aceitou o convite e se em algum momento fez comentários televisivos estando a avaliar a possibilidade de ser cabeça de lista pela AD. Dito isto, também é fácil descobrir críticas duras ao atual primeiro-ministro em muitos dos seus comentários — já estão aliás a circular nas redes sociais — e até é possível acrescentar que estará mais próximo de Passos do que de Montenegro.

Sebastião Bugalho não tem prática partidária — a política, essa, não se esgota na carreira das ‘jotas’ e a intervenção diária e consistente sobre políticas e políticos nos jornais e televisões também confere experiência política –, e desconhece-se ainda o que é a sua visão para Portugal na Europa, para o futuro da União Europeia. Mas tem virtudes para um candidato da AD: Fala aos jovens, fala à direita alargada, aquela que inclui o PSD de Montenegro, de Passos, aos centristas e até novos eleitores do Chega. Conservador e católico, alarga o mercado eleitoral da AD. E nestas eleições europeias, a televisão vai ter mais importância do que noutras.

A Sebastião Bugalho, o que lhe falta em empatia sobra-lhe em arrogância, mais aparente do que verdadeira, um mecanismo de defesa que esconde a insegurança de quem sabe que está a dar passos acelerados, só comparáveis aos que fez Paulo Portas há cerca de 30 anos. Passa, como Portas, do jornalismo para a política, apesar das promessas de amor à profissão. Não são coisas incompatíveis.

Isto é um problema para o jornalismo? Os leitores e telespectadores sabem mais do que isso. Cito o diretor do CM, Carlos Rodrigues, em declarações ao ECO.Os espectadores e eleitores são muito mais inteligentes do que as pessoas pensam e sabem distinguir as coisas“ e há “paternalismo ideológico de quem analisa os fenómenos” desta forma. Paternalismo e moralismo. A defesa e o problema jornalismo estão sempre, por definição, nos que o fazem, não exatamente nos que o deixam de fazer. A porta giratória, essa sim, deve ser evitada, mas a responsabilidade estará do lado do jornalismo se voltar a aceitar Bugalho como um dos seus. Voltará ao comentário, seguramente, mas com outro estatuto (a presença de políticos comentadores fica para outro Login).

Sebastião Bugalho é uma escolha de risco? Tem de mostrar, na campanha, que estará à altura das responsabilidades, do risco que Montenegro assumiu por necessidade ou convicção. O que pensa do alargamento da UE à Ucrânia, do voto por maioria ou por unanimidade, do equilíbrio de poderes entre a Comissão e o Parlamento, da emissão de dívida comum, da defesa europeia? Mas, tudo isto dito, o que se pode dizer de Marta Temido, a cabeça de lista do PS? Alguém sabe dizer hoje se Temido, a principal responsável pelo estado a que chegou o SNS, tem um pensamento que seja sobre a Europa?

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