expresso.ptexpresso.pt - 24 abr. 17:36

O SNS e os portugueses merecem mais de quem governa a saúde pública

O SNS e os portugueses merecem mais de quem governa a saúde pública

A comunicação entre a ministra da Saúde e o diretor-executivo demissionário feita através dos media soa a uma troca de mails de casais desavindos. Zangam-se os pais, sofrem as crianças, ninguém ganha

Começaram por ser próximos. Ana Paula Martins foi a primeira escolha de Fernando Araújo para dirigir o maior centro hospitalar do país - que inclui o Hospital de Santa Maria - ainda antes de os estatutos da direção-executiva do SNS, que lhe davam oficialmente esse poder de nomeação, estarem aprovados e publicados.

Foi em dezembro de 2022 e o nome da antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos que vinha da Gilead Sciences constituiu uma surpresa dentro do setor. Nunca havia dirigido um hospital e entrava no SNS pela porta de um conselho de administração com um orçamento anual da ordem dos 500 milhões de euros e mais de 6600 funcionários a cargo. A acrescer à falta de experiência em gestão hospitalar, era surpreendente o facto de ter sido vice-presidente do PSD durante o mandato de Rui Rio à frente do partido.

Um ano depois, em dezembro de 2023, seis meses depois de Fernando Araújo ter anunciado a reforma do SNS que visava a criação das Unidades Locais de Saúde, e as eleições já marcadas para 10 de março de 2024, Ana Paula Martins decide bater com a porta. Num comunicado emitido pelo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, sublinhava-se: "Ana Paula Martins nega categoricamente que na base desta decisão esteja qualquer discordância em relação à Direção Executiva do SNS, a quem agradece toda a cooperação institucional durante o seu mandato, que termina no final do presente ano."

As ULS formaram-se, foram nomeados os seus diretores, a reforma prosseguiu. Houve eleições e Ana Paula Martins, eleita deputada nas listas da AD, foi a pessoa escolhida para ficar à frente do Ministério da Saúde. Os papéis mudaram: quem tinha prerrogativas sobre o futuro de Fernando Araújo num cargo de um organismo do SNS era agora Ana Paula Martins.

O programa da AD não era muito claro sobre o que fazer com a direção-executiva. “Reformular”, pode ler-se no documento. E a pergunta desde logo impôs-se: vai ou não Fernando Araújo continuar no cargo?

Semanas passaram após a tomada de posse de Ana Paula Martins e soube-se de uma reunião apenas entre ambos. Nos bastidores, antevia-se tensão, uma relação fria, distante e prestes a romper-se - a certa altura a pergunta já era: demite-se ele ou demite-o ela?

Num ato inusitado e estranho, Ana Paula Martins envia à comunicação social um comunicado informando sobre um despacho em que pedia a elaboração de um relatório, a ser entregue em 60 dias, pela direção-executiva, prestando contas do que tinha feito e do que estava previsto fazer.

Comunicando em público o que não tinha pedido dentro do gabinete - Araújo diz que recebeu a informação por email e ao mesmo tempo que os jornais - teve resposta na mesma medida.

Menos de uma semana depois, Araújo usa o mesmo expediente: envia comunicado aos jornalistas e à ministracom o pedido de demissão e duas notas. Prescindindo da indemnização a que teria direito caso fosse demitido (12 salários) e respondendo ao pedido de relatório: está a ser feito, será entregue e desse dia em diante não trabalha mais na DE-SNS.

Como se não bastasse, sai mais um comunicado. A ministra aceita, agradece e deixa a farpa: a nova Direção Executiva terá a missão de realizar “efetivas reformas”. Pelos vistos não aquela que está em curso e que Araújo apelidou de “revolução no SNS”.

Uma troca de mails de casais desavindos a propósito da educação dos filhos não soaria muito diferente disto tudo. Zangam-se os pais, sofrem as crianças, ninguém ganha.

Só que, infelizmente, não estamos a falar de uma casa só. Estamos a falar da mais importante estrutura do Estado Social (a par da escola pública), cujos filhos são os milhões de utentes do SNS que precisam, querem e merecem um serviço de saúde digno e eficaz, que honre os impostos que todos pagamos por um bem público de que, acredito, quase nenhum português ou residente em Portugal quer abrir mão.

Pedir que todos sejamos tratados com mais respeito e elevação não me parece demasiado. Querer que quem governa o SNS não se embrenhe em guerras partidárias ou de bastidores, comunicando através dos jornalistas também não. A saúde, o SNS e os portugueses merecem muito mais.

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