www.sabado.ptFrancisca Costa - 19 abr. 08:10

A indústria do fast

A indústria do fast

Opinião de Francisca Costa

A minha geração cresceu com a indústria do fast. Do fast food ao fast fashion crescemos a ser alimentados por uma sociedade de consumo que queríamos que atendesse a todos os nossos pedidos de uma maneira rápida, fácil, acessível e sem precisar de refletir muito.

Olhando especificamente para a indústria da moda, vulgarmente chamada de fast fashion, crescemos a sonhar com as últimas tendências, muitas vezes ignorando que estas poderiam ser réplicas de má qualidade de roupas que facilmente conseguiríamos encontrar no fundo dos armários dos nossos familiares. Começámos a acumular peças de roupa e a ter a constante necessidade de nos reajustar às novas modas para nos inserirmos numa sociedade que parecia andar mais rápido que os nossos próprios pensamentos. As redes sociais e o marketing direcionado para diferentes consumidores também para aumentar essa necessidade de adquirir produtos que nem sabíamos que precisávamos, estando muitos deles apenas à distância de um clique.

Com o passar dos anos, sucessivos relatórios começaram a expor as más condições de trabalho e os impactos ambientais existentes nestas cadeias de valor obscuras, filhas da globalização. Os custos sociais e ambientais passaram a ser escrutinados. Exemplos como o desastre de Rana Plaza no Bangladesh ou o deserto de roupa do Atacama no Chile, revelaram os problemas dessa indústria desde o fabrico até ao descarte dos produtos. Muitos dos operadores têxteis vivem no limiar da pobreza, expostos a produtos tóxicos nocivos e a condições de trabalho precárias. Enquanto isso, a indústria da moda é responsável por 10% das emissões de carbono mundiais, tendo projeções para continuar a aumentar em 60% as suas emissões até 2030, segundo a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas.

Consequentemente, as multinacionais que alimentavam estes consumos foram forçadas a responder aos escândalos e reorganizar o seu posicionamento no mercado, de modo a poderem continuar a ser competitivas e perpetuarem os seus modelos de negócio assentes no imediatismo dos seus produtos. Até porque, os seus principais consumidores eram também a geração com a informação na palma das mãos e conscientes dos desafios sociais e ambientais que o novo século trazia pela frente.

Assim, surge a indústria da moda em segunda mão, aparentemente de cara lavada, com menos emissões e estendendo o ciclo de vida dos produtos. Plataformas de revenda começaram ganhar tração na sociedade ocidental com a promessa de abrandar o consumo desenfreado e fomentar um consumo mais consciente.

No entanto, as marcas de fast fashion encontraram aí uma oportunidade para criarem as suas próprias plataformas de revenda e o consumo não abrandou, pelo contrário. Estas plataformas passaram a ser uma opção para comprar produtos com a mesma rapidez que eram adquiridos anteriormente, mas a um preço mais acessível. E não havendo um aumento na qualidade, estes produtos continuam a ser facilmente descartados após pouco tempo de uso e os lucros desta indústria continuam a aumentar ano após ano.

Assim, urge a necessidade de repensarmos a toda a indústria e incorporarmos os seus impactos no preço dos produtos. Os consumidores têm o direito de ser melhor informados para que possam fazer escolhas mais conscientes e o marketing deve ser melhor regulado para que não incentive ao consumo irrefletido. As marcas devem transformar os seus modelos de negócio, diminuindo a utilização de recursos, fomentando a economia local e supervisionando as condições de trabalho dos seus trabalhadores. Só assim conseguiremos garantir justiça social e ambiental neste setor.

A roupa que vestimos é uma forma de expressão da nossa identidade mas será que queremos carregar em nós o peso de trabalhadores explorados e de um ambiente destruído?

Entre 15 e 24 de abril celebra-se a Fashion Revolution Week, um movimento que tem como principal objetivo repensar e transformar a indústria da moda.

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