www.sabado.ptDavid Erlich - 16 abr. 15:30

O programa do governo e a atração de professores

O programa do governo e a atração de professores

Opinião de David Erlich

O problema da falta de professores é consensualmente reconhecido. Subjacente a este reconhecimento reside uma convergência implícita na valorização da escola e da função docente.

Num tempo de voraz aceleração das vivências digitais, o isolamento pandémico contribuiu para nos recordar que a espacialidade de uma escola e a humanidade de um professor são basilares para o modo como a criança e o jovem habitam o mundo e progressivamente assumem o seu lugar nele.

É pertinente destacar que as discursividades sobre a necessidade de mudar o modo como se organiza a escola e o perfil da ação pedagógica de quem nela trabalha, confluem previamente neste ponto: o de ser imprescindível continuar a contar com a escola enquanto espaço predominantemente físico, com robustas equipas de professores que assegurem as aprendizagens das novas gerações.

A falta de docentes assume, pois, um doloroso carácter simbólico: onde faltam professores, falta quem cuide do futuro.

O governo propõe, nesse sentido, "um programa de emergência para atrair novos Professores". O título indicia vontade política e, quando o li, pareceu-me promissor. Ao continuar a leitura, rapidamente me tomou a admiração… mas não no sentido de quem reconhece a qualidade do que contempla.

Desde logo, surpreendeu-me, na primeira proposta, uma certa ingenuidade própria de folhetos eleitorais de associações de estudantes liceais: "promover uma campanha de sensibilização para a importância dos professores, para incentivar mais jovens a escolher esta profissão". Quem não sabe muito bem o que fazer para atacar um problema, organiza logo uma campanha de sensibilização. Mas tenhamos boa-fé e aguardemos pelos detalhes desta campanha…

Na segunda proposta, surpreendeu-me uma confusão conceptual entre atrair novos professores e maximizar a eficiência na gestão dos que já estão no sistema. É que se o problema combatido é o mesmo, as ferramentas são diversas: trazer novas pessoas para o sistema é diferente de aproveitar melhor o trabalho de quem já lá está. Ora, "promover as horas extra dos professores, de forma temporária e facultativa", não é, de todo, uma medida enquadrável numa política pública de atração de novos docentes.

A quinta e última proposta – sim, são só cinco (e em menos de dez linhas) – surpreendeu-me pela sua inexcedível generalidade: "adequar a formação inicial de professores, em linha com as necessidades do sistema educativo". O que significa isto? É que, escrito assim, não passa de uma lapalissada.

Restam-nos a terceira e a quarta propostas, a saber: "promover o regresso ao ensino dos professores que tenham saído da profissão, através de mecanismos de bonificação de reposicionamento na carreira" e "rever o salário em início de carreira docente e rever os restantes índices e escalões, no sentido de simplificar o sistema remuneratório".

O pomposo "programa de emergência para atrair novos Professores" é como o choque fiscal: prometia muito, concretiza pouco. Das cinco medidas, verdadeiramente só duas são propostas concretas, adequadas e viáveis.  

A elas voltarei – dedicarei uma das próximas crónicas ao desafio de como atrair novos profissionais para este fascinante ofício de orientar aprendizagens.

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