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Ter tartarugas como animais de estimação “não é boa ideia”, alertam cientistas

Ter tartarugas como animais de estimação “não é boa ideia”, alertam cientistas

As espécies mais únicas de tartarugas e de crocodilos são as que sofrem mais riscos de extinção. O desaparecimento destes animais pode ter um grande impacto nos ecossistemas.

As tartarugas e os crocodilos com características mais únicas são também aqueles que estão em maior perigo, revela um estudo publicado na terça-feira na revista científica Nature. A compra destes animais é um dos principais factores de risco para os répteis: “O comércio global destas espécies é a terceira ameaça mais importante para a sua diversidade funcional, afectando tartarugas principalmente pela sua utilização como animais de estimação e crocodilos pela comercialização da sua pele”, conclui o estudo da Universidade de Oxford. O desaparecimento destes animais pode pôr em causa todo o seu habitat.​

Ao Azul, a cientista Molly Grace, que faz parte da Universidade de Oxford e é uma das autoras do estudo, estima que venha a haver “uma grande perda na diversidade funcional” destes animais. Segundo Grace, este conceito captura “a variedade de papéis que as espécies desempenham nos ecossistemas – se são predadores ou presas, engenheiros do ecossistema [que têm a habilidade de modificar os habitat e recursos], generalistas ou especialistas [se comem uma variedade de alimentos ou uma dieta limitada]”. E os ecossistemas com “mais espécies a desempenhar papéis únicos são mais resilientes face às ameaças antropogénicas”, relacionadas com a mão humana, acrescenta a investigadora.

O estudo mostrou que as espécies de tartarugas e crocodilos em maior risco de extinção são precisamente aquelas com características mais únicas. Devido às suas estratégias de vida e funcionalidades singulares, a perda destes animais pode ter um impacto significativo nos seus ecossistemas. Os processos protagonizados por estas espécies únicas são essenciais para a fauna e a flora e não podem ser garantidos por outros animais.

Se perdermos estas espécies singulares, podemos não conseguir substituir as suas funções Molly Grace, investigadora da Universidade de Oxford

Os resultados, apresentados pela equipa de cientistas, salientam que, se todas as espécies de tartarugas e crocodilos classificados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como gravemente ameaçadas desaparecessem, cerca de 13% das estratégias únicas de vida eram perdidas.

As estratégias de vida, especialmente únicas nas espécies com maior risco de extinção, correspondem à forma “como um organismo divide os seus recursos e energia entre a sua sobrevivência, reprodução e crescimento”, diferindo entre espécies os sectores onde escolhem gastar mais e menos do seu esforço, explica a investigadora de ecologia e conservação. Assim, algumas espécies podem apostar num amadurecimento mais rápido e em produzir muitas ninhadas, enquanto outras amadurecem de forma mais lenta, com menos ninhadas, o que pode estender a sua esperança de vida.

As pessoas que estão preocupadas com o desaparecimento de tartarugas e crocodilos devem evitar comprar produtos feitos a partir deles [produtos de pele de crocodilo] e, em concreto com as tartarugas, não devem considerá-las animais de estimação
Ter tartarugas como animal de estimação não é boa ideia

No comunicado de imprensa em que é apresentado o estudo, os autores expressam uma posição intransigente relativamente ao comércio destas espécies. Afirmam que “as pessoas que estão preocupadas com o desaparecimento de tartarugas e crocodilos devem evitar comprar produtos feitos a partir deles [produtos de pele de crocodilo] e, em concreto com as tartarugas, não devem considerá-las animais de estimação”.

Ponderar ter tartarugas e crocodilos como animais de estimação não é “uma questão simples”, avisa Grace. No entanto, apresenta alguns pontos que justificam que ter um destes animais como companheiro doméstico “não é uma boa ideia”. “Se a espécie estiver a ser importada de um país longínquo é possível que não seja nativa no país que habita. Se o animal for libertado ou fugir, pode causar impactos negativos ao ecossistema local”, adverte a bióloga.

Outro problema colocado por Grace foi o facto de, “quanto mais rara ou ameaçada for a espécie, mais valor tem para os coleccionadores, o que pode fomentar uma remoção insustentável dos animais do seu habitat, levando mesmo à extinção”. Adverte também para o facto de os répteis precisarem de condições e cuidados muito diferentes dos mamíferos. E, “se a pessoa que comprar o animal não tiver noção das necessidades das suas espécies, o animal pode sofrer”, conclui.

E a pele de crocodilo?

Molly Grace (que trabalha no Departamento de Biologia da Universidade de Oxford) apresenta também uma outra perspectiva perante a comercialização de peles de crocodilos. A ideia apresentada pela investigadora remete para uma peça publicada no blogue da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) em Março de 2019.

Os autores do artigo, intitulado É a proibição de couro exótico má para os répteis?, afirmam existirem “amplas provas científicas que indicam que a proibição da venda de animais selvagens retira o valor da biodiversidade e, por sua vez, fomenta o comércio ilegal e prejudica os incentivos locais para proteger as populações de animais”. Acrescentam ainda que “o comércio de peles de répteis é na sua maioria legal, sustentável e verificável” e que, “em muitos países, as pessoas toleram e conservam animais perigosos – tais como crocodilos e pitões – e os seus habitat, porque os rendimentos derivados do uso compensam os custos de viver com eles”.

Dependendo da função que desempenham, o desaparecimento de uma espécie pode desencadear uma série de impactos no seu ecossistema. A investigadora enumera o exemplo do aligátor-americano, que “escava depressões em zonas húmidas, e quando as zonas secam no Verão, estes lagos mantêm a água preservada, proporcionando um refúgio para peixes e invertebrados aquáticos”. Assim, a extinção deste réptil repercutia-se também no habitat de outros animais do seu ecossistema.

A utilização sustentável das peles de crocodilos tem sido um factor importante na recuperação e conservação destas espécies, porque dá às pessoas um incentivo económico para viverem ao lado de animais que podem causar grandes danos aos seres humanos. Molly Grace, investigadora da Universidade de Oxford

As consequências antropogénicas, tais como as perdas de habitat, as alterações climáticas, a poluição, as pescas ilegais e o comércio não sustentável de vida selvagem, acentuaram a extinção das espécies.

Segundo o artigo publicado na Nature, cerca de metade das espécies de tartarugas e crocodilos está classificada como globalmente ameaçada pela IUCN. Por isso, “é urgentemente necessário um maior entendimento e saber que espécies são as mais ameaçadas, e porquê, para fazer esforços informados sobre como salvá-los”, dizem no comunicado de imprensa sobre o artigo.

Os investigadores apelam à protecção destas espécies em risco com modos de vida únicas, não só para evitar o seu desaparecimento, como para garantir o funcionamento dos seus habitat.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva

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