observador.ptObservador - 31 mar. 01:11

“Danças com lobos” SNS

“Danças com lobos” SNS

Como irá a equipa do SNS, em particular o seu competente CEO, lidar com uma situação de elevada complexidade, gerir uma Organização em fase de maturidade/declínio de um ciclo de vida de 45 anos?

Quando em 1990 vi o filme Danças com Lobos (Dances with Wolves, no original) que projetou Kevin Costner como realizador de cinema para além do seu desempenho como ator, fiquei bastante marcado pelo conteúdo temático do mesmo e pelas mensagens fílmicas que me deixaram fortes emoções, sinceras na genuína grandeza épica do filme e, sobretudo, de pertinente e inteligente reflexão sobre a génese da América, sobre o “Homem e a Natureza e o direito à fruição da vida”.

No filme, Costner, no papel de John Dunbar, é um oficial de cavalaria que se destaca como herói na Guerra Civil Americana e, ao ter por isso o privilégio de escolher para onde iria servir, decidiu ir para os territórios da última fronteira no Oeste Americano, tendo sido colocado num Forte que acabou por descobrir que era um Forte abandonado “rodeado de índios da tribo Sioux”. E de lobos.

Quando há alguns meses foi nomeado para novo CEO da Direção Executiva do SNS um prestigiado médico, gestor sereno e rigoroso, para levar a cabo a tarefa de pôr em marcha e desenvolver uma nova estrutura de gestão do Serviço Nacional de Saúde Português, (num modelo organizativo já testado com algum êxito na gestão do NHS do Reino Unido), revi mentalmente o filme e em largos momentos da minha reflexão fui desejando ao Professor Fernando Araújo (que pessoalmente conheço e profissionalmente admiro) uma boa dança com o “lobo SNS”.

Neste nosso pequeno País, o nosso SNS, criado em 1979 pela Lei n.º 56/79, de 15 de setembro (no âmbito do Ministério dos Assuntos Sociais), visou com espírito integrador e holístico ser um instrumento do Estado para assegurar o direito à proteção da saúde, nos termos da Constituição. Afugentar os “maus espíritos” da pouca esperança de vida saudável de um Povo que estava a sair de uma longa guerra e um período de turbulência política e social crescente. Mas que iria ter de conviver com muitos “lobos” e “muitos índios”, umas vezes pacificamente outras em maior tensão.

Passados quase 45 anos em algumas coisas o tem conseguido com êxito, apesar de, por vezes, tanto nas despovoadas regiões do Interior do País, como nas sobrepovoadas regiões litorais, muito parecer que se está perante um “Forte” muito fraco ou um “Forte” cada vez mais frágil. Necessariamente melhor no seu todo que o “Forte abandonado” para onde foi viver o Oficial Costner /Dunbar, temos de reconhecer com algum orgulho.

Durante a análise dos desafios contidos na nomeação da nova forma de liderança para o SNS (apesar de ainda agora me parecer o modelo organizativo, meio legislativamente atamancado, latinamente falando, para não desagradar a todos os gregos nem a todos os troianos…), ficou-me no contexto do conhecimento que tenho da gestão em saúde, entre a teoria e a prática ao longo de 10 duros anos profissionais no SNS, a questão de fundo sobre o futuro: como irá a equipa, em particular o seu competente CEO, tal como no filme aconteceu com Costner, lidar com uma situação que comporta elevada complexidade técnica e comportamental, gerir uma Organização em fase de maturidade/declínio de um ciclo de vida de 45 anos, “colocando o Homem e a Natureza e o direito à fruição da vida” no centro da mudança, em ambiente até de forte pressão digital sobre Saberes e Sabedorias?

Naturalmente “o lobo amigo” do CEO terá de ser em toda a missão o Ministro da Saúde (com quem se sabe existirem boas relações, mesmo sem dançarem sempre ao som da mesma melodia). Até porque os “Sioux” que adotaram Costner/Dunbar no Oeste também não são no SNS do mesmo tipo. Mesmo que alguns usem grandes “cocar” de penas vistosas.

Se a questão da “reforma do SNS” que se deseja avance com determinação e segurança não é “pera doce” nem “filme apaixonante”, a premissa fundamental que está em causa para o seu êxito é o potenciar da identidade cultural própria de um SNS (que muito já é Sistema), com o ultrapassar positivo de crenças (por vezes estranhas), com o alterar em profundidade de costumes (muitas vezes perversos) e sobretudo falar, com flexibilidade no rigor, a língua que importa conhecer e muito praticar. Que não é necessariamente a do “saúdês” tradicional.

Os profissionais da Saúde são a chave. E é bom que se aceite, acredite e pratique que não são, como por vezes se quer fazer crer em parangonas de comunicação e redes sociais, um mundo meio termo entre os muito sacrificados e os todo-poderosos com a faca e o queijo na mão.

O modelo de gestão destes profissionais é necessário ser alterado em alinhamento com as boas práticas internacionais para permitir o avanço da “nova saúde e da nova medicina”.

São e continuarão a ser eles os elementos-chave de uma Sociedade de Bem Estar que se deseja mesmo num mundo turbulento de guerras e sofrimentos.

E aqui volto ao filme Danças com lobos para relaxar sobre presente e preparar, com observação crítica, um novo artigo sobre a gestão do SNS dentro de um ano, tendo como referencial o título Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo do filme vencedor dos Óscares 2023.

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