www.dinheirovivo.ptdinheirovivo.pt - 31 mar. 15:01

O Diabo e os populismos

O Diabo e os populismos

C. S. Lewis explica que uma das principais tarefas do Diabo é a divisão. Não uma divisão bacoca, mas uma divisão cirúrgica: todos os lados têm de estar absolutamente convencidos de que estão do lado do Bem. Ou seja, o mal, o diabinho que nos estraga a vida, está na divisão e não forçosamente em qualquer um dos lados. Não interessa o que defendem, mas sim, que lutem até ao fim em sua defesa. Para ser tudo como deve ser, o processo diabólico passa pela convicção de que defendemos o Bem, de que os meios que utilizamos nessa defesa justificam os fins - ou seja, vale tudo - e, por fim, na inevitável destruição de todos. No final, ninguém ganha, mesmo quando há a ilusão de que da disputa resultaram vencedores e vencidos. É por isso que as guerras santas, as guerras civis ou as guerras entre irmãos são tão cruéis, sangrentas e odiosas, porque todas as partes estão apaixonadamente do lado Bem, estão cegas e prontas para o martírio em sua defesa. São estas as mais diabólicas.

É aqui que estamos, na política, na religião e até na educação. O encontro de pontos de convergência é incompatível com a divisão. A concórdia, a aceitação da diferença, a humildade, a cedência, não são mais do que sinais de fraqueza. E essa fraqueza é incompatível com a "defesa de valores", com a "verdadeira" prática religiosa, com a integridade das instituições, com o autêntico patriotismo, com a "herança cultural". Do outro lado, é a mesma coisa: a defesa da modernidade é incompatível com o conservadorismo; a prática religiosa não se liga ao racionalismo, à lógica ou ao desenvolvimento; o relativismo é a chave da liberdade - logo, há que ser convictamente contra as convicções.

Interessa aquilo que nos separa e não o que nos une.

Na Igreja temos os "tradicionalistas" e os "relativistas"; na política os liberais e os iliberais; na educação os conservadores e os permissivos. E assim vão surgindo cada vez mais lados e conflitos que se vão armando para a luta. Porque é a luta que nos dá prazer e que nos faz sentir integrados, como parte de algo maior. Como ser contra o "terrorista" que afinal não é; ser contra a Comissão Independente que afinal já não o é; ser contra quem não se ajoelha ou quem se ajoelha.

Virar o olhar para o lado e manter um rumo não faz parte dos planos que ditam os tempos atuais. Temos a luta como meio e como fim e os nossos filhos vão crescendo assim: ensinados não a defenderem mas a atacarem, porque é através do grau de violência do conflito que se mede a certeza das convicções. Pois é desta divisão que os populistas vivem, exatamente como ensina o Diabo explicado por C.S. Lewis.

Inês Teotónio Pereira, jurista

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