expresso.ptexpresso.pt - 19 set. 19:15

Onde estao os intelectuais?

Onde estao os intelectuais?

"Somos obrigados a escolher, e o dilema com que todos os intelectuais se destino dos fracos e impotentes, daqueles a quem foi recusada uma voz", escreve o bibliófilo e ensaísta Alberto Manguel no seu primeiro artigo no Expresso

Durante a ditadura militar dos anos 1970 na Argentina, alguns escritores, perante atrocidades que pareceriam inconcebíveis dez anos antes, procuraram analisar e denunciar os acontecimentos que estavam a testemunhar. Não se tratava apenas de denúncias pontuais, mas igualmente de reflexões bem pensadas sobre a natureza da violência consagrada pelo Estado e sobre a corrupção moral que subjazia ao discurso oficial. A 24 de março de 1977, o ficcionista e jornalista de investigação Rodolfo Walsh publicou uma carta aberta à Junta Militar, culpando-a pelos “15 mil desaparecidos, os 10 mil injustamente presos, os 4 mil mortos, as dezenas de milhares empurrados para o exílio”. Terminava assim a carta de Walsh: “No primeiro aniversário do vosso infeliz Governo, são estes os pensamentos que desejo partilhar com os membros desta Junta, sem acalentar esperança de vir a ser escutado, certo de que serei perseguido, mas mantendo-me fiel ao compromisso que assumi no passado: prestar testemunho em tempos complicados.”

Isto passou-se há 40 anos, e os “tempos complicados” não chegaram ao fim — apenas têm outros protagonistas e outros enredos. Todos os dias as notícias dão conta de infindáveis atrocidades, e em muitos países (Rússia, Síria, Turquia, Venezuela, China) há jornalistas e escritores que são presos, torturados e por vezes assassinados por denunciarem publicamente essas atrocidades. Acontece que em muitos outros países — sobretudo naqueles em que o Governo esconde as atrocidades que comete sob o disfarce de procedimentos aparentemente democráticos — não bastam relatos ocasionais ou fragmentos de discursos políticos. Onde estão, nas nossas famigeradas democracias, as vozes límpidas, coerentes e irrefutavelmente críticas do nosso tempo, as vozes que não se limitam a denunciar mas que pensam profundamente acerca das causas de tais atrocidades? Paul Nizan, no ensaio “Les chiens de guard” (1932), denunciou o silêncio de muitos pensadores do seu tempo: “A cada semana, a cada dia, aumenta a distância entre o seu pensamento e o universo assombrado por catástrofes, e eles não estão atentos.” E acrescentou: “Aqueles que simplesmente aguardavam pelas palavras destes pensadores começam agora a revoltar-se ou a rir-se.”

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