expresso.ptexpresso.pt - 22 abr. 14:01

Como será a presidência de Volodymyr Zelensky, o “novo namorado na cama” da Ucrânia?

Como será a presidência de Volodymyr Zelensky, o “novo namorado na cama” da Ucrânia?

O comediante conquistou a presidência com uma diferença histórica de 48% em relação ao Presidente cessante. Os analistas ouvidos pelo Expresso dividem-se entre o elogio pela mudança no poder e o ceticismo em relação a um recém-chegado à política de que pouco se sabe. No topo da agenda: a corrupção, a Rússia e as possíveis adesões à UE e à NATO

“A Ucrânia acordou esta segunda-feira com um novo namorado na cama”, comenta ao Expresso o politólogo Niels Ackermann, a partir da capital do país, Kiev. Na segunda volta das eleições presidenciais deste domingo, o comediante Volodymyr Zelensky conquistou 73% dos votos contra os 25% do Presidente cessante, Petro Poroshenko. A diferença de 48% é a maior da história das presidenciais ucranianas, refere o jornal “Kyiv Post”.

O novo “companheiro de cama” dos ucranianos será visto “como uma pessoa omnipotente” mas o povo “poderá rapidamente sentir-se frustrado quando ele tiver de tomar decisões concretas”, alerta Niels Ackermann. Em países como a Ucrânia, “os Presidentes são frequentemente considerados um novo parceiro”, prossegue, acrescentando que “quando se está numa relação, isso parece ser a melhor coisa que aconteceu na nossa vida miserável, a solução para todos os nossos problemas”. “Depois de três anos, vemos os defeitos do parceiro e ele/a torna-se a fonte de todos os nossos problemas”, contrapõe o politólogo.

No seu primeiro discurso como presumível vencedor das eleições, Zelensky agradeceu o “apoio” dos pais e a “força” da mulher, que estava ao seu lado. “Se ela soubesse as coisas que disseram e escreveram sobre mim nas últimas semanas, nunca teria casado comigo”, gracejou. A lista de agradecimentos, que leu a partir de uma folha de papel, incluiu a sua equipa, os funcionários da sua campanha, os colegas da sua produtora de televisão Kvartal-95 e ainda Oksana e Lyuba, as senhoras da limpeza da sua sede de campanha.

“Não sabemos o que quer fazer e, mais importante, como quer fazê-lo”

“Obrigado a todos os ucranianos que me apoiaram e fizeram uma escolha diferente. Prometo nunca vos falhar”, acrescentou. E concluiu: “Embora ainda não seja Presidente, posso dizer isto como cidadão ucraniano a todos os países pós-soviéticos: olhem para nós, tudo é possível!”.

O Presidente cessante deixará saudades a muitos dos seus concidadãos. Que o diga Tetyana Stadnyk, uma ucraniana de Kiev que prefere não revelar a sua profissão. “Poroshenko ressuscitou o Exército, assegurou a estabilidade e o crescimento económico do país, criou condições para o desenvolvimento da cultura ucraniana como um todo e fez muitas outras coisas importantes que indubitavelmente o colocarão na História como o melhor Presidente da Ucrânia desde a nossa independência em 1991”, elenca.

O retrato panegírico não é, contudo, de uma presidência sem mácula: “Penso que Poroshenko não fez as reformas económicas suficientes e esse foi provavelmente o seu maior erro”, aponta Tetyana Stadnyk. Ainda assim, o legado que deixa ensombra as perspetivas do que virá a ser o mandato do Presidente eleito. “Não sabemos o que ele quer fazer e, mais importante, como quer fazê-lo”, sublinha ao Expresso. Zelensky é um recém-chegado à política e notabilizou-se por imitar Poroshenko num programa de sucesso da televisão ucraniana. Durante a campanha, não fez comícios e deu poucas entrevistas, preferindo comunicar através das redes sociais.

Petro Poroshenko, Presidente cessante

Petro Poroshenko, Presidente cessante

Sergei Chuzavkov/SOPA Images/LightRocket/Getty Images

O cenário de eleições antecipadas “antes do fim da lua-de-mel”

Para Alexander Khrebet, editor do site ZN.UA, “a mudança de poder é um passo positivo para o futuro da Ucrânia”. “Neste momento, o Parlamento e o Governo são controlados por Poroshenko. Dentro de um mês, Zelensky prestará juramento como Presidente e será estabelecida uma paridade que durará pelo menos até às eleições parlamentares a realizar no outono”, contextualiza ao Expresso. Niels Ackermann antecipa um cenário difícil. “A Ucrânia é um regime parlamentar em que o Presidente é relativamente fraco. Se Zelensky tiver de esperar até outubro, vai ser um inferno. Muitos esperam que ele dissolva rapidamente o Parlamento para forçar eleições antecipadas, antes do fim da lua-de-mel”, refere.

Em qualquer dos cenários, o Presidente eleito “tem de atender às prioridades dos eleitores, lidando com a invasão, apoiada pela Rússia, no leste da Ucrânia, incluindo a ocupação ilegal da Crimeia, e ainda com a corrupção vigente, com os elevados preços dos serviços e com a reforma judicial”, prioriza ao Expresso o analista político canadiano Denys Volkov. “É importante sublinhar que todos os candidatos abertamente pró-russos perderam na primeira volta das eleições”, lembra o politólogo que viveu e estudou na Ucrânia.

“Precisamos de esperar o melhor e, sem dúvida, preparar-nos para o pior”

“Ele prometeu acabar com a guerra em Donbas [bacia do rio Donets] mas as entrevistas que deu sugerem que lhe faltam um conhecimento profundo deste conflito e formas de o resolver”, critica Ivan Katchanovski, professor de Estudos Políticos da Universidade de Otava, no Canadá. “Também ainda veremos se estará disposto a investigar os assassínios de jornalistas e políticos ucranianos durante o mandato de Poroshenko e os massacres de Maidan [onda de protestos na Praça da Independência da capital ucraniana entre 2013 e 2014] e de Odessa [em maio de 2014]”, refere ao Expresso.

“As promessas de combate à corrupção e punição dos oligarcas também parecem mais ter sido retórica eleitoral, uma vez que o seu programa de televisão e a sua vitória presidencial se devem, de uma forma significativa, ao apoio de um oligarca no exílio”, anota ainda Ivan Katchanovski. De resto, “as declarações públicas de que apoia uma eventual adesão à União Europeia e à NATO, após referendo, dificilmente se vão materializar num futuro próximo”, remata o académico.

Para os tempos vindouros, Tetyana Stadnyk sugere uma receita: “precisamos de esperar o melhor e, sem dúvida, preparar-nos para o pior”. “Mesmo que Zelensky se revele um bom Presidente, o nosso vizinho russo não vai a lado nenhum e nunca perdoará a Ucrânia por se tornar uma verdadeira democracia ocidental”, conclui.

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