expresso.ptexpresso.pt - 20 jan. 14:00

A Índia celebra-o mas não segue o seu legado

A Índia celebra-o mas não segue o seu legado

Pacifista, apóstolo da dignidade, fez 17 greves de fome na luta pela independência da Índia

A expulsão de um comboio na África do Sul foi um momento decisivo na vida do pacifista que nunca recebeu o Nobel da Paz apesar de ter sido três vezes nomeado. Mohandas Gandhi era um homem de hábitos europeus que estudara Direito em Londres; a vida profissional não lhe sorriu quando regressou à Índia e aceitou uma proposta de trabalho na África do Sul, que tal com a Índia era uma colónia do Império Britânico, à época. No seu entender, a profissão, o fato e gravata que trajava e o bilhete que comprara, deveriam ser mais do que suficientes para garantir o acesso à carruagem da primeira classe do comboio. Foi expulso na estação de Pietermaritzburg [1893] por desrespeito à leis da segregação que impediam pessoas de pele escura de viajar em primeira classe, destinada aos caucasianos. Indignado, sentiu que tinha de lutar contra a discriminação. Defendeu indianos e africanos graciosamente, escreveu artigos para jornais, e leu tudo o que lhe chegava da Índia, incluindo a “Carta a um Hindu” que o escritor russo Leo Tolstoi escreveu [ao nacionalista indiano Tarak Nath Das].
A carta onde Tolstoi afirma que os indianos só se libertariam do jugo colonial britânico pelo protesto não violento e pela resistência pacífica foi publicada pelo jornal “Free Hindustan” em 1908, e teve um enorme impacto no pensamento de Mohandas; este nunca conheceu Tolstoi mas, depois de ler a carta, correspondeu-se com ele até à morte do escritor russo em 1910.
Quando regressou à Índia em 1915, o seu nome era conhecido nos círculos independentistas indianos pelas ações de protesto e luta pelos direitos dos mais desfavorecidos que organizara na África do Sul. Nessa época, Ghandi ainda envergava, muitas vezes, o fato e gravata de causídico ocidental. A 22 de setembro de 1921, outra viagem de comboio leva-o a optar pelo uso permanente do xaile e dhoti, a roupa dos indianos pobres. Gandhi sentiu que para defender estas pessoas, teria de se vestir e viver como elas. O traje tornou-se um símbolo de protesto contra a colonização britânica que fez com que Winston Churchill o apelidasse de faquir, em 1931, quando Ghandi foi recebido, usando o dhoti, pelo rei Jorge V no Palácio de Buckingham.
De Mohandas a Mahatma
Ghandi não foi um político convencional. Apóstolo da dignidade, pensou de forma revolucionária para o seu tempo, embora — pelos padrões atuais — não tenha dado suficiente atenção à condição feminina no seu país. Nas primeira metade do século XX, o caminho da Índia passava pela luta pela independência e conquista de direitos para os excluídos de uma sociedade que tornava o ser humano refém da casta onde nascia. Aos intocáveis quase que só era permitido limpar latrinas.
Os cinco volumes da obra autobiográfica “A Minha Vida e as Minhas Experiências com a Verdade” — que o Expresso oferece ao leitor a partir deste sábado — são uma viagem pelas memórias deste protagonista que é uma referência ímpar para os movimentos sociais do século XX e início deste. No prefácio da edição que vai junta com este Expresso, o ex-Presidente Jorge Sampaio afirma que Ghandi, Nelson Mandela e Martin Luther King, são as três figuras “mais inspiradoras de todos os tempos”.
Um ano antes de deixar a África do Sul, chamam-lhe Mahatma pela primeira vez. Esta distinção honorífica é atribuída aos espíritos elevados e aos homens veneráveis, enquanto que Bapu [outra forma por que o povo o designava na Índia] significa pai.
Respeitado mas incumprido
“A figura de Gandhi assume hoje um papel importante, mas principalmente simbólico na Índia. No campo da economia, as suas propostas para uma Índia exclusivamente rural, com aldeias autossuficientes, deixaram de fazer sentido prático quando um em três indianos vive em cidades e a urbanização acelera, agora com quase cinquenta cidades com um milhão de habitantes. No campo da política externa, a filosofia da não-violência deixou de fazer sentido depois de a Índia se ter declarado como potência nuclear, em 1998, e ter travado várias guerras com o Paquistão e a China, mesmo que defensivas. As ideias de Gandhi continuam a ser celebradas como um contributo essencial para a independência — e daí a sua relevância como “pai da nação” — mas com pouco sentido prático desde então. Para as ONG e ativistas da sociedade civil da maior democracia do mundo, Gandhi assume um simbolismo adicional nas causas ambientais e sociais, incluindo contra a discriminação baseada na casta ou religião”, disse ao Expresso Constantino Xavier, investigador da Universidade Brookings India, em Nova Deli.
Foi assassinado seis meses após a independência da Índia, pelo nacionalista de direita Nathuram Vinayak Godse. O seu herdeiro político Jawaharlal Nehru, fez da sua morte uma bandeira contra os nacionalismos na grande Índia.

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