visao.pt - 10 jul. 14:14
Visão | Adélia Prado - Uma voz entre o quotidiano e o transcendente
Visão | Adélia Prado - Uma voz entre o quotidiano e o transcendente
Considerada por muitos como a maior poeta brasileira viva, também autora de livros de contos e romances, acaba de ser distinguida com o Prémio Camões 2024. O JL recorda o seu percurso e presença editorial em Portugal
Poeta, romancista, contista e por muitos considerada a maior poeta brasileira viva – Adélia Prado é a vencedora da edição deste ano (a 36.ª) do Prémio Camões, o mais importante da Lusofonia.
A decisão coube a um júri constituído pelas portuguesas Clara Crabbé Rocha e Isabel Cristina Mateus, os moçambicanos Francisco Noa e Dionísio Bahule e os brasileiros Cleber Ranieri Ribas de Almeida e Deonísio da Silva.
“Adélia Prado é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética”, sublinham os jurados na ata justificativa da atribuição. “Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as conhecidas palavras ‘Adélia é lírica, bíblica, existencial’, faz poesia como faz bom tempo… Adélia Prado é há longos anos uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa”.
O prémio, anunciado a 26 de junho, foi atribuído poucos dias depois da Academia Brasileira de Letras a ter distinguido com o Prémio Machado de Assis, um dos mais prestigiados no Brasil, pelo conjunto da obra.
E para este segundo semestre de 2024 está anunciado um novo volume de poemas seus, pondo termo a uma década de silêncio. É um ano de consagração de uma poeta singular, nascida em 1936, em Divinópolis, em Minas Gerais, e que criou o seu próprio universo literário, numa ousada ligação entre poesia e religião, entre crença e corpo, entre fé e emoção.
Adélia Prado teve como principal padrinho Carlos Drummond de Andrade, que entusiasmado com um conjunto de originais – que Affonso Romano de Sant’Anna, a quem a escritora os enviou, lhe deu a conhecer, entusiasmado – se empenhou na sua publicação.
Estávamos no final dos anos 70 do século passado e Adélia Prado já tinha publicado vários poemas em jornais de Divinópolis e lecionara no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho. Também se formou em Filosofia, na faculdade da sua cidade, mas só depois do seu casamento e do nascimento dos seus cinco filhos.
As décadas de 80 e 90 são fundamentais para a sua afirmação como um das grandes referências das letras brasileiras e da língua portuguesa. Cacos para um vitral, o seu primeiro romance, é de 1980, e uma primeira poesia reunida, um marco no percurso de qualquer poeta, surge em 1991.
Um percurso distinguido com os principais prémios, como o Jabuti de Literatura, os da Fundação Biblioteca Nacional, da Associação Paulista dos Críticos de Arte ou do Governo de Minas Gerais de Literatura.
Novo livro no horizonteO novo livro de Adélia Prado foi anunciado no final do ano passado, quando a poeta cumpriu 88 anos, na coluna Painel das Letras, da Folha de São Paulo, assinada por Walter Porto. “O título provisório é Jardim das Oliveiras e a Record planeja o lançamento no segundo semestre de 2024. A autora de Bagagem, que tem pés firmes na religião católica, tirou o título do local onde, segundo a Bíblia, Jesus Cristo Orou antes de ser crucificado.”
No mesmo texto, Walter Porto partilha ainda com os leitores algumas declarações da própria poeta que, passado dez anos de “deserto criativo” e com o novo livro no horizonte, se mostra “aliviada”, com profunda satisfação de estar novamente a servir a poesia.”
Diz Adélia Prado: “Fui resgatada pela própria poesia. Encontrei, em gavetas, poemas escritos na tenra juventude e, para minha surpresa, eles estavam em sintonia com a minha experiência atual e desencadearam a ideia desse livro”.
A sua intenção, com este muito aguardado volume de poemas, “é dialogar com a angústia que passou durante os anos sem escrever, uma dor que todo o poeta é capaz de entender.”
Fui resgatada pela própria poesia. Encontrei, em gavetas, poemas escritos na tenra juventude e, para minha surpresa, eles estavam em sintonia com a minha experiência atual e desencadearam a ideia [do novo] livro
adélia prado
Jardim das Oliveiras será seguramente uma boa oportunidade para voltar a editar Adélia Prado em Portugal, onde não é publicada desde a antologia Tudo Que Existe Louvará, de 2016, com escolha de poemas, organização e prefácio de José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos.
“Adélia provoca escândalo. Esta mulher sobre a qual recai a acusação de ser demasiado religiosa e demasiado provinciana construiu uma obra poética que a coloca, com inteira justiça, entre as grandes vozes do nosso tempo”, escrevem os antologiadores.
E prosseguem: “Instigadora na proposta, destemida na invenção, antilírica até ao osso e contudo ardente, sem pingo de condescendência, mas magnificamente sensorial, dinamitando as zonas de conforto onde a poesia moderna se instalou, mostrando que a ortodoxia é uma forma radical de heterodoxia e a mais ínfima reverência deve ser mais temida do que a maior blasfémia. E ela é linda, assim como é, beata e sumptuosa, batendo solitários caminhos tão longe de correntes, escolas e bandos.”
Antes desta edição da Assírio & Alvim, Adélia Prado foi divulgada em Portugal em três edições da Cotovia: Bagagem, o seu primeiro volume de poemas, de 1976, Solte os Cachorros, de 1978, sua estreia no conto, e a antologia de poemas organizada por Abel Barros Baptista, Com Licença Poética.