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Visão | Adélia Prado - Uma voz entre o quotidiano e o transcendente

Visão | Adélia Prado - Uma voz entre o quotidiano e o transcendente

Considerada por muitos como a maior poeta brasileira viva, também autora de livros de contos e romances, acaba de ser distinguida com o Prémio Camões 2024. O JL recorda o seu percurso e presença editorial em Portugal

Poeta, romancista, contista e por muitos considerada a maior poeta brasileira viva – Adélia Prado é a vencedora da edição deste ano (a 36.ª) do Prémio Camões, o mais importante da Lusofonia.

A decisão coube a um júri constituído pelas portuguesas Clara Crabbé Rocha e Isabel Cristina Mateus, os moçambicanos Francisco Noa e Dionísio Bahule e os brasileiros Cleber Ranieri Ribas de Almeida e Deonísio da Silva.

“Adélia Prado é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética”, sublinham os jurados na ata justificativa da atribuição. “Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as conhecidas palavras ‘Adélia é lírica, bíblica, existencial’, faz poesia como faz bom tempo… Adélia Prado é há longos anos uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa”.

O prémio, anunciado a 26 de junho, foi atribuído poucos dias depois da Academia Brasileira de Letras a ter distinguido com o Prémio Machado de Assis, um dos mais prestigiados no Brasil, pelo conjunto da obra.

E para este segundo semestre de 2024 está anunciado um novo volume de poemas seus, pondo termo a uma década de silêncio. É um ano de consagração de uma poeta singular, nascida em 1936, em Divinópolis, em Minas Gerais, e que criou o seu próprio universo literário, numa ousada ligação entre poesia e religião, entre crença e corpo, entre fé e emoção.

Adélia Prado teve como principal padrinho Carlos Drummond de Andrade, que entusiasmado com um conjunto de originais – que Affonso Romano de Sant’Anna, a quem a escritora os enviou, lhe deu a conhecer, entusiasmado – se empenhou na sua publicação.

Estávamos no final dos anos 70 do século passado e Adélia Prado já tinha publicado vários poemas em jornais de Divinópolis e lecionara no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho. Também se formou em Filosofia, na faculdade da sua cidade, mas só depois do seu casamento e do nascimento dos seus cinco filhos.

As décadas de 80 e 90 são fundamentais para a sua afirmação como um das grandes referências das letras brasileiras e da língua portuguesa. Cacos para um vitral, o seu primeiro romance, é de 1980, e uma primeira poesia reunida, um marco no percurso de qualquer poeta, surge em 1991.

Um percurso distinguido com os principais prémios, como o Jabuti de Literatura, os da Fundação Biblioteca Nacional, da Associação Paulista dos Críticos de Arte ou do Governo de Minas Gerais de Literatura.

Novo livro no horizonte

O novo livro de Adélia Prado foi anunciado no final do ano passado, quando a poeta cumpriu 88 anos, na coluna Painel das Letras, da Folha de São Paulo, assinada por Walter Porto. “O título provisório é Jardim das Oliveiras e a Record planeja o lançamento no segundo semestre de 2024. A autora de Bagagem, que tem pés firmes na religião católica, tirou o título do local onde, segundo a Bíblia, Jesus Cristo Orou antes de ser crucificado.”

No mesmo texto, Walter Porto partilha ainda com os leitores algumas declarações da própria poeta que, passado dez anos de “deserto criativo” e com o novo livro no horizonte, se mostra “aliviada”, com profunda satisfação de estar novamente a servir a poesia.”

Diz Adélia Prado: “Fui resgatada pela própria poesia. Encontrei, em gavetas, poemas escritos na tenra juventude e, para minha surpresa, eles estavam em sintonia com a minha experiência atual e desencadearam a ideia desse livro”.

A sua intenção, com este muito aguardado volume de poemas, “é dialogar com a angústia que passou durante os anos sem escrever, uma dor que todo o poeta é capaz de entender.”

Fui resgatada pela própria poesia. Encontrei, em gavetas, poemas escritos na tenra juventude e, para minha surpresa, eles estavam em sintonia com a minha experiência atual e desencadearam a ideia [do novo] livro

adélia prado

Jardim das Oliveiras será seguramente uma boa oportunidade para voltar a editar Adélia Prado em Portugal, onde não é publicada desde a antologia Tudo Que Existe Louvará, de 2016, com escolha de poemas, organização e prefácio de José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos.

“Adélia provoca escândalo. Esta mulher sobre a qual recai a acusação de ser demasiado religiosa e demasiado provinciana construiu uma obra poética que a coloca, com inteira justiça, entre as grandes vozes do nosso tempo”, escrevem os antologiadores.

E prosseguem: “Instigadora na proposta, destemida na invenção, antilírica até ao osso e contudo ardente, sem pingo de condescendência, mas magnificamente sensorial, dinamitando as zonas de conforto onde a poesia moderna se instalou, mostrando que a ortodoxia é uma forma radical de heterodoxia e a mais ínfima reverência deve ser mais temida do que a maior blasfémia. E ela é linda, assim como é, beata e sumptuosa, batendo solitários caminhos tão longe de correntes, escolas e bandos.”

Antes desta edição da Assírio & Alvim, Adélia Prado foi divulgada em Portugal em três edições da Cotovia: Bagagem, o seu primeiro volume de poemas, de 1976, Solte os Cachorros, de 1978, sua estreia no conto, e a antologia de poemas organizada por Abel Barros Baptista, Com Licença Poética.

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