24.sapo.ptJosé Couto Nogueira - 24 mai. 23:28

Parece uma brincadeira de miúdos, mas os Patriotas Unidos planearam mesmo um assalto ao Reichtag

Parece uma brincadeira de miúdos, mas os Patriotas Unidos planearam mesmo um assalto ao Reichtag

Em 2022, um pequeno grupo terrorista planeava dar um golpe de Estado para re-instaurar a monarquia, mas foi apanhado. É o primeiro julgaamente deste tipo desde os processos ...

Há uma extrema-direita alemã que todos conhecemos, a Alternativa para a Alemanha - AfD - que tem vindo a subir consistentemente nas eleições locais. Em 2021 conseguiu 14,6% dos votos na Baviera e 18,4% em Esse, além de se mostrar cada vez mais forte nos estados da antiga Alemanha de Leste. Os números não parecem grande coisa, mas o seu crescimento assusta, principalmente porque os partidos da coligação liderada pelo SPD (sociais-democratas) não param de descer.

Mesmo assim, pode dizer-se AfD não representa realmente um grande perigo para o quadro pol��tico geral do país, uma vez que, como o nosso Chega, ninguém está a ver que possa tornar-se maioritária e nenhum outro partido quer coligar-se com eles. No entanto, faz muito barulho e, tal como aqui, assusta muita gente pelas suas posturas xenófobas, racistas e anti-imigração.

Aliás, toda a extrema-direita europeia (e norte-americana) usa os mesmos chavões: são “movimentos identitários”, em luta contra a “grande substituição” - o perigo de que a maioria branca seja ultrapassada demograficamentete pelas minorias de outras etnias. Os inquéritos de opinião, no mundo ocidental em geral, mostram mais ou menos as mesmas preocupações: os cidadãos estão insatisfeitos com os seus governos, assustados pelas alterações climáticas e pela inflação, sentem-se abandonados pelas “elites” e receiam o aparelho de Estado (“deep state”).

Nada disto tem a ver com este pequeno grupo, os Patriotas Unidos, sem qualquer expressão eleitoral nem apoios que se vejam, mas com a arrogância de planear um golpe de Estado com 27 conspiradores - poucos, mas fortemente armados e decididos a invadir o Parlamento e, não se sabe bem como, a partir daí implantar um regime semelhante à monarquia abolida em 1918. Segundo eles, todos os regimes que se lhe seguiram, ou seja a República de Weimar, o III Reich e a República Federal, são ilegítimos. Defendiam também que o atual governo é dirigido por políticos pedófilos com uma rede de bases militares subterrâneas. E acreditavam que, dado o golpe, os serviços de espionagem dos Estados Unidos e da Rússia os ajudariam a desmantelar o “deep state” alemão. Demitido o atual chanceler, seria colocado no seu lugar um obscuro membro da pequena nobreza, o Príncipe Henrique XIII de Reuss.

Contado assim, parece uma brincadeira de miúdos, como se fosse apenas mais um gangue (no meu tempo de miúdo chamavam-se seitas) à procura de conflito. Mas estes não são adolescentes inimputáveis; estavam envolvidos um juiz, um ex-deputado da AfD e um oficial paraquedista. Felizmente a polícia levou-os a sério e, durante buscas que envolveram 1.500 agentes em vários locais, descobriu armamento mais do que suficiente para tornar o plano marado numa realidade, pelos menos na parte do ataque ao Reichtag. Seria levado a cabo pelos Cidadãos do Reich, o braço armado dos Patriotas Unidos.

O Príncipe no banco dos réus

Nove elementos dessa “milícia” começaram a ser julgados a 29 de Abril em Estugarda. Esta terça-feira, outros nove, incluindo o Príncipe, sentaram-se no banco dos réus em Frankfurt. Embora as provas sejam substanciais, calcula-se que os julgamentos se irão arrastar até 2025.

A questão não é o perigo dum golpe anti-democrático bem sucedido, mas a intenção de derrubar a democracia por meios violentos. A intenção é crime, por mais lunática que seja a acção. A Alemanha é uma democracia consolidada, com meios operacionais de defesa interna (polícias, forças armadas, serviços de informação) e uma opinião pública que, mesmo descontente com os partidos institucionais, não aceitaria uma volta para trás deste calibre.

A questão é o significado político. A possibilidade de um pequeno grupo de radicais perturbar espetacularmente o funcionamento dos órgãos regulares do Estado. A AfD, por mais agressiva e desagradável que seja, joga pelas regras constitucionais. Os Patriotas Unidos são um grupo terrorista, financiado por entidades obscuras, que podem muito bem incluir agentes estrangeiros - russos, mais provavelmente - interessados em desestabilizar o modo de vida europeu. Putin diz exactamente a mesma coisa, que a Europa perdeu os valores tradicionais da família, está decadente, cheia de vícios e a precisar de uma “redenção”.

Nos tempos da Guerra Fria, entre 1945 e 1991, a URSS era uma ameaça localizada, sabia-se quem estava do “lado de cá” e do “lado de lá” e a luta efetiva concentrava-se em operações de espionagem fora das vistas da opinião pública. Nestes tempos da pós-verdade, a Rússia é uma potência invasora ativa e não se sabe quem está de que lado, ou mesmo quais são os “lados” possíveis. O Médio Oriente e, em geral, ou outro lado do Mediterrâneo, sempre em convulsão, provoca migrações em massa de pessoas violentadas e violentas, difíceis de aculturar, que os europeus receiam ou, pelo menos, desconfiam.

Esta conspiração agora em julgamento é como o “bullying” de meia dúzia de crianças a criar insegurança no recreio da escola. Nunca se sabe de onde vem o perigo e não são precisos muitos para desestabilizar a maioria. O voto, essa arma fundamental da Democracia, parece que já não chega para manter a paz e a busca da felicidade.

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