expresso.ptJoão Salazar Braga - 24 mai. 16:49

Desculpe, tem um minuto para eu lhe falar de Taylor Swift?

Desculpe, tem um minuto para eu lhe falar de Taylor Swift?

É provável que a caixa de comentários deste artigo seja tomada de assalto pelos fãs de Taylor Swift, e que eu seja cancelado, mas há riscos que têm de ser assumidos

No Parlamento, discute-se:

— “Se uma determinada bancada disser que Taylor Swift é largamente sobrevalorizada, também pode?”

— “No meu entender, pode.”

Imagino que fosse isto o que o Presidente da Assembleia da República responderia caso lhe perguntassem pela artista norte-americana. Seria igualmente polémico. Ficaríamos sem perceber qual é a opinião da segunda figura do Estado em relação à música de Taylor Swift, mas não me parece que seja swiftie. Porém, nunca se sabe. Há sempre espaço para surpresas: ora, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa assumiu-se recentemente como swiftie, mas talvez porque Taylor Swift move a economia de uma cidade controlada por expats.

. Posso ser um pouco obtuso, mas não sou ingénuo. O peso na indústria de Taylor Swift compreende-se. No mercado, a sua estética musical é mais valiosa. De facto, é a mais valiosa. Por isso, a Apple Music, que anunciou recentemente a sua lista dos 100 Melhores Álbuns de sempre, provocando guerras no X, colocou 1989 (Taylor’s Version), de Swift, na 17.ª posição. Ligo pouco a listas deste género, porque adivinho a intenção com que são elaboradas, mas, de qualquer das formas, o álbum está acima de The Chronic, de Dr. Dre, e abaixo de What’s Going On, de Marvin Gaye.

Realmente, o que é que se está a passar? Os gostos não se discutem — mas os legados claro que sim. Custa acreditar que o álbum da norte-americana, que é um ótimo trabalho de reedição de um LP com 10 anos, seja superior a Pet Sounds, dos The Beach Boys, que se ficou pela 20.ª posição, que é (ou era) até hoje considerado um dos álbuns mais estruturais e influentes da pop. Refiro-me a Pet Sounds porque sou suspeito e porque acho que a “God Only Knows” supera a “Shake It Off”, por exemplo, em quase todos os parâmetros menos num — a canção motivacional de Taylor Swift faz dançar, enquanto a oração composta por Brian Wilson faz chorar, porque celebra o amor de um modo verdadeiramente inesquecível.

O mediatismo de Taylor Swift faz sentido — ao mesmo tempo que não faz. A histeria em torno da estrela não é imediatamente compreensível, como qualquer outra histeria. A brutal ascensão de Swift foi demorada. Não demos propriamente por ela, mas hoje lidamos todos com este estrelato, mesmo que não o compreendamos totalmente. Alguma coisa deverá ter acontecido para que a norte-americana se tenha tornado naquilo que é hoje: um fenómeno geracional. Já ponderei a possibilidade de os álbuns folklore e evermore, ambos de 2020 e com sonoridades menos (estridentemente) comerciais, terem alterado o eixo terrestre, numa altura em que o planeta, triste e só, estava concentrado em resolver uma pandemia sem precedentes. Duvido. Não sou especialista em Taylor Swift, mas tenho vontade de aprender sobre ela e sobre o fenómeno que constitui. (E isto já nem tem que ver com música pop, mas sim com antropologia.) Ainda assim, sei que dificilmente me safaria no curso que a Universidade de Harvard agora disponibiliza e que estuda a música da artista e o seu impacto económico: English 183ts. Taylor Swift and Her World. Habituemo-nos à nova Academia.

Em janeiro de 2024, o vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, deu a entender que gostaria de ver Taylor Swift a apelar ao voto dos jovens nas eleições para o Parlamento Europeu; faz sentido, claro, até porque Swift já tem feito apelos semelhantes no seu país, onde tem influenciado positivamente a participação democrática dos jovens norte-americanos. Não deixa de ser engraçado que, na Europa, os jovens prestem, à partida, mais atenção aos apelos de uma estrela pop do que à realidade, dura e sangrenta, que se revela às portas do continente e noutros pontos do mundo, que estão mais próximos à conta do atual zeitgeist. Por cá, não se lembrem de pedir a Taylor Swift para apoiar o regresso do Serviço Militar Obrigatório, porque, pela Taylor, os swifties vão à guerra, dão, mas não levam. São duros como tudo. Acreditam naquele culto e em mais nada.

Esta é a era de Taylor Swift. Quer gostemos dela ou não, fazemos parte dela. Só não nos podemos mostrar contra. O juízo musical permanece subjetivo. O mundo é que está mais polarizado.

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