visao.ptMARGARIDA LOPES - 24 mai. 20:00

Visão | Não vai votar? Depois não haja queixas

Visão | Não vai votar? Depois não haja queixas

Se a minha avó, sem saber ler ou escrever, até ao fim da sua longa vida nunca falhou um ato eleitoral, qual é a nossa desculpa?

A minha avó, que morreu no ano passado, era uma senhora ribatejana muito intransigente com várias coisas. Não sabia ler e não sabia escrever. Teve uma vida difícil e com pouquíssimas regalias. Nunca tive com ela uma relação particularmente próxima. Mas se há algo que guardo da sua vida é isto: dia de eleições era praticamente sagrado, e a minha avó era uma fervorosa eleitora. O desrespeito pela Democracia, através da abstenção, não é algo que se possa admitir, sobretudo depois de os portugueses terem visto esse Direito ser-lhes negado durante demasiados anos.

Faltam pouco mais de duas semanas para as eleições europeias e já se começa a ouvir o burburinho sobre o dia da ida às urnas. Por um lado, todos concordamos que é uma péssima data – um domingo de junho que precede um feriado nacional, num País onde a abstenção atingiu uns escandalosos 68,6% nas últimas europeias tem tudo para correr mal. No entanto, e precisamente a antecipar as desculpas do costume – está bom tempo e queremos ir para a praia; sendo fim-de-semana prolongado é ótima altura para uma escapada com a família… – há imensas opções que foram postas em marcha:

Para quem estiver em viagem num país fora da União Europeia, no dia das eleições, há a possibilidade de votar antecipadamente, no dia 2 de junho (todas as condições estão aqui); já no dia 9 de junho será possível votar em qualquer mesa de voto em Portugal ou no estrangeiro, se estiver num país da União Europeia. Que é como quem diz: até pode viver na Guarda e querer passar o fim-de-semana em Paris, que isso não será desculpa. Basta dirigir-se a uma mesa de voto e pode exercer o seu direito e dever democráticos.

No caso de ser português e residir no estrangeiro, pode votar nos dias 8 ou 9 de junho numa das representações diplomáticas. E sim, possivelmente no Algarve, para onde grande parte do País costuma rumar nesta altura dos chamados “feriados de junho”, também há mesas de voto disponíveis para que escolha os 21 eurodeputados que nos vão representar no próximo mandato, no Parlamento Europeu.

Enquanto nos aproximamos do período de campanha eleitoral, que se inicia a 27 de maio, há ainda muitas questões para os candidatos a deputados esclarecerem – e, claro leitor, posso dizer-lhe que também eu estou muito indecisa sobre em quem votar no dia 9. Mas há algo que não cabe nas opções em que tenho pensado: não ir até às urnas.

Portugal entrou na então CEE a 12 de junho de 1985 (estaremos a celebrar 39 anos de comunidade europeia precisamente na altura das eleições). Foi a adesão ao bloco que permitiu ao País um desenvolvimento económico acelerado, libertando a região de um crónico atraso promovido por tantos anos de ditadura que tinham fechado não apenas a nossa economia, mas também a nossa sociedade.

E eu sei, caro leitor, que pode parecer que “votar lá naquilo da Europa” não é importante, porque parece longe. Mas vamos ser sérios.

Podemos discordar de muitas regras europeias – sobretudo aquelas que tantas vezes parecem penalizar mais dos países do Sul da Europa, com idiossincrasias muito próprias – mas não podemos negar a importância que a adesão à atual União Europeia teve para o nosso País. Nem podemos ignorar o impacto que tantas medidas definidas no Parlamento Europeu têm no nosso dia-a-dia. A facilidade com que se viaja, com que se estuda fora, com que se carrega os telefones, com que se tem acesso a um fundo de garantia de depósitos, com que se fazem negócios, se estabelecem parcerias, se avança com políticas comuns… tudo isso tem a ver com as decisões que são tomadas na União Europeia. Está preocupado com a imigração? As políticas europeias serão fundamentais para o que vai acontecer nesse campo. É sobre energia e alterações climáticas que pensa? Também será na Europa que serão tomadas as mais importantes decisões. A proteção dos dados e o terrorismo são o que lhe ocorre? Pois bem…vai precisar dos eurodeputados para ver alterações nesses campos.

Aliás, sobre isto, vale muito a pena ler este belíssimo trabalho do Filipe Luís, que talvez ajude a entender a importância desta ida às urnas.

É certo que estamos todos relativamente saturados de eleições – isso foi algo que se tornou claro durante a campanha para as últimas Legislativas, com as quais ninguém contava. Já dispensávamos debates televisivos, mensagens demagógicas, cartazes espalhados pelo País inteiro e ouvir promessas de políticos. Compreendo isso. O que não compreendo – o que nunca compreenderei – é que haja quem desperdice a oportunidade de fazer a diferença na Europa e no País com 10 minutos do seu tempo. Que é possivelmente o tempo que vai demorar a votar.

E se vai dizer-me que não vota porque não gosta de nenhum dos candidatos, vou dar-lhe uma notícia: pode sempre ir votar em branco. É legítimo, e eu também já o fiz muitas vezes. E não contribui para os números da abstenção, que é algo particularmente significativo quando temos uma sociedade tão polarizada. Tempos houve em que não nos deixavam ter palavra em quem governa os nossos destinos. Quer mesmo, voluntariamente, abdicar de um direito que foi tão difícil de conseguir?

É que se não está disponível para isso, para gastar 10 – ou mesmo que sejam 20 ou 50 – minutos do seu tempo para votar, vejo-me obrigada a dizer-lhe algo, caro leitor. Essa indisponibilidade, esse não cumprimento daquele que é um dos nossos mais importantes direitos, só lhe permite uma coisa durante o tempo que durar a legislatura: silêncio. Porque se não está disponível para usar do seu tempo para votar, que direito tem de criticar seja qual for o resultado eleitoral de dia 9 de junho? Ou as consequências que desse resultado advierem?

A minha avó votou, a partir do momento em que lho permitiram e até morrer, no mesmo partido. Nunca foi aquele em que eu votei. E nunca nos aborrecemos por causa disso. Aquilo que a tirava do sério era alguém que se atrevia a não ir às urnas. Porque a minha avó podia ser analfabeta, mas isso não a impedia de ter um profundo respeito pela Democracia e por todos aqueles que tinham lutado por ela.

E não será por acaso que é dela que me lembro sempre que saio de casa para votar. Porque se não formos nós a decidir quem queremos no Parlamento Europeu, alguém o fará por em nosso lugar. Eu não estou disposta a isso. E o leitor?

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