visao.ptSARA SANTOS - 24 mai. 11:52

Visão | Tribunal Arbitral do Desporto: Projetar o futuro, preservando a memória

Visão | Tribunal Arbitral do Desporto: Projetar o futuro, preservando a memória

Só se pode projetar o futuro, preservando a memória, conhecendo e compreendendo o passado, a “causa das coisas”, aqui recordando o título de um fantástico livro de Miguel Esteves Cardoso

O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) nasceu de uma consciencialização de que o desporto, porque específico, nos seus atores, nas suas regras e nos seus calendários, exige uma justiça (mais) célere e especializada. Procurou-se igualmente uma das vantagens que, em teoria, a arbitragem pode ter: ser mais barata.

Apelando à memória: o impulso para termos um TAD em Portugal brotou na Travessa … da Memória, pelo Comité Olímpico de Portugal, então sob a presidência de José Vicente Moura, por via de um trabalho pedido a duas Comissões (que tive a honra de integrar, com distintos Colegas): uma primeira presidida por José Manuel Cardoso da Costa e a segunda pelo saudoso Miguel Galvão Telles. Seguiu-se uma Comissão Governamental, espoletada pelos Secretários de Estado da Justiça, João Correia, e do Desporto, Laurentino Dias. Depois, conjuntamente com a Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, ajudei, enquanto Secretário de Estado do Desporto, na feitura e apresentação ao Parlamento da Proposta de Lei. Importa, pois, não equecer que quando a Lei do TAD ‘viu a luz do dia’ já muitos e transversais contributos haviam sido dados, e plasmados naquele ato normativo. Não foi, pois, uma aventura individual e irrefletida, foi, outrossim, um projeto coletivo, gradualmente gizado.

O TAD poderia ser hoje o Tribunal (trata-se, nos termos da Constituição, não convém esquecer, de um verdadeiro Tribunal) que se esboçou em vista de alcançar os referidos objetivos, mas se (ainda) o não é totalmente, tal deve-se ao facto de das suas decisões em sede de arbitragem necessária (o ‘grosso’ dos casos submetidos ao TAD) caber recurso – quando se tentou fugir do contencioso administrativo, acabou por se manter a porta aberta à permanência, ainda que com menos preponderância é certo: criou-se, no fundo, um novo grau de jurisdição, que não o último. Neste quadro, por exemplo, as decisões finais sobre uma suspensão de um jogador ou uma sanção disciplinar por violência podem surgir já findas as épocas em que ocorreram os factos… (verdade desportiva?! justiça material?!).

Muitos lamentamos que a eficácia do TAD perde com a solução que veio a ser a final, havendo até o paradoxo – e aqui a memória também auxilia – de que, entre os que o lamentam, haja quem tenha publicamente feito vivos e reiterados apelos para que houvesse vários recursos, não descansando enquanto não foi declarada inconstitucional a solução inicial…

O TAD poderia ser hoje um Tribunal onde mais agentes desportivos das diferentes modalidades procurassem dirimir os seus litígios, e se o não é, tal também se deve ao facto – quase consensual – de se tratar de um tribunal caro. O que se tem de pagar em taxas de arbitragem e, quando aplicável, de custas, pode mesmo, em alguns casos, aproximar-se da denegação de justiça … à revelia da Constituição.

Seria também muito importante que o TAD pudesse fazer executar as suas próprias decisões. Mas como não é o caso, quem perde no TAD (e já depois de voltar a perder no TCA Sul e no STA) pode recusar-se a executar espontaneamente a decisão, esperando que a parte vencedora interponha uma ação de execução, também aí havendo recursos…sem efeito suspensivo. E as épocas desportivas vão passando … e múltiplos prejuízos financeiros e desportivos se vão gerando. Ver para querer!

Ademais, a Lei do TAD tem vários defeitos, muitos deles já identificados no terreno, evidenciados em decisões arbitrais e jurisprudência. Mesmo a montante, o Regime Jurídico das Federações Desportivas pode e deve ser mais claro na delimitação da articulação de competências entre Conselhos de Disciplina, Conselhos de Justiça e TAD.

Mas importa, uma vez mais, apelar à memória: comparemos o antes e o depois da criação do TAD. Ilustremos apenas com o famoso ‘Caso Mateus’ para comparar os anos que demorou a decidir-se esse caso e os meses em que o TAD concluiria hoje o processo. Não sendo mais barata, é inegável que com o TAD temos uma justiça mais célere e especializada. Em minha opinião, o TAD é uma aposta ganha, para continuar, não para eliminar, devendo exaltar-se o mérito dos seus Presidentes: primeiro, Luís Pais Antunes; atualmente José Mário Ferreira de Almeida. O que me parece claro é que o TAD carece de melhorias, para se aproximar ainda mais do pretendido: um tribunal justo, imparcial e adaptado às especificidades e necessidades do desporto.

Sobram sugestões abalizadas para almejar essa melhoria, designadamente por diversa doutrina, fruto da experiência no terreno (por exemplo, no plano da designação dos árbitros, das providências cautelares, dos recursos, de questões puramente processuais). O Congresso da Justiça Desportiva, que em boa hora o TAD promoveu nas passadas quinta e sexta-feiras (ausente, no estrangeiro, não pude, infelizmente, comparecer), foi – assim me transmitiram – um marco importante nesse caminho. Projetando o futuro, preservando sempre a memória.

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