www.sabado.ptRicardo Borges de Castro - 23 mai. 18:40

A Senhora (Europa) que se segue?

A Senhora (Europa) que se segue?

Opinião de Ricardo Borges de Castro

Visto de Bruxelas, Ursula von der Leyen é a grande favorita para um novo mandato na Comissão Europeia. Mas, a atual chefe do executivo europeu, mesmo com uma vitória da sua família política, o Partido Popular Europeu, nas europeias de 6 a 9 de junho, pode tornar-se no maior obstáculo à sua própria recondução. Apesar de especulações recentes sobre outras alternativas e candidatos, a possibilidade da política alemã vir a ser proposta pelos líderes da UE e depois escolhida por uma maioria absoluta dos eurodeputados (360+1) continua a ser o cenário mais plausível.

No entanto, a campanha tem sido morna até agora e as verdadeiras dificuldades podem começar depois do dia 9 de junho.

Um risco chamado von der Leyen
Comecemos pela própria von der Leyen. Ela já não é novidade. O efeito surpresa que teve em 2019, juntamente com o facto de ser a primeira mulher a poder vir a ocupar o 13.º andar do Berlaymont, a sede da Comissão, favoreceu-a largamente. Mesmo assim, na votação do Parlamento Europeu, foi eleita com apenas nove votos de diferença.

O seu estilo de liderança também pode ser um problema. Chamem-lhe mexerico da "bolha" de Bruxelas, mas von der Leyen é conhecida por tomar decisões num círculo restrito com apenas alguns ajudantes de confiança. As quarentenas da COVID-19 dificultaram a colegialidade entre os novos membros da Comissão nos primeiros anos do mandato e reforçaram os instintos centralizadores e de liderança fechada da presidente.

A centralização de poder no executivo comunitário não é nova, mas intensificou-se desde 2019. Ora, num sistema de governação complexo como o da UE, a consulta, a negociação, o compromisso e a partilha de informações são fundamentais para evitar erros. O chamado "Piepergate", a trapalhada ligada ao artigo 16.º do Protocolo relativo à Irlanda do Norte (parte do Acordo de Saída UE-Reino Unido), já para não falar da descoordenação europeia, para a qual von der Leyen contribuiu grandemente, após o hediondo ataque terrorista do Hamas a Israel, são exemplos de erros que poderiam ter sido evitados se as decisões fossem mais participadas.
O preço do sucesso
Mas não são apenas os erros que podem minar o caminho de von der Leyen. O seu sucesso à frente da Comissão pode ser uma faca de dois gumes.

A primeira mulher a liderar a Comissão foi, até agora, uma das suas presidentes mais bem-sucedidas. Começou com a agenda política certa, centrada nas transições verde e digital. Quando a sua "Comissão geopolítica" foi confrontada com a pandemia e a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, a alemã esteve à altura do desafio, preenchendo também um vazio deixado por um mau funcionamento do eixo Berlim-Paris.

Von der Leyen conseguiu desde cedo impor o ritmo e o tom da resposta da UE as estas crises e, pelo caminho, tornou-se a principal aliada de Kyiv em Bruxelas. Internacionalmente, estabeleceu um vínculo estreito com o Presidente Biden que os seus antecessores não podem afirmar ter tido com antigos presidentes dos EUA.

Da mesma forma, a líder alemã tem sido fundamental para moldar a política da UE em relação à China, agora amplamente conhecida como "de-risking", um termo que Washington também adotou.
Afinal, quem manda?
Mas, von der Leyen também pode ser vista por alguns como tendo ultrapassado as suas competências, intrometendo-se em ‘território’ dos estados-membros.

Desde a forma como alguns pacotes de sanções contra a Rússia foram anunciados publicamente antes de serem formalmente aprovados, até ao seu posicionamento externo, por exemplo, em relação ao Médio Oriente ou mesmo à China – questões longe de serem consensuais entre os 27 – a noção de interferência terá estado na mente de muitos.

Além disso, que país da UE é realmente favorável a ter um Presidente da Comissão forte que atualmente é um dos líderes europeus mais conhecidos globalmente?

"Ela tem um papel como formulador de políticas. Mas, claro, o seu chefe final são, se me permitem, os estados-membros." Para Lars Danielsson, representante permanente da Suécia junto da UE, não houve meias palavras quando o seu país assumiu a presidência rotativa da União, no início de 2023. Suspeito que não seja o único a pensar assim.
Política, inimigos íntimos e surpresas
Há mais alguns fatores de incerteza na corrida de von der Leyen à reeleição. À medida que o Parlamento Europeu se fragmenta politicamente e se move mais para a direita, qualquer candidato a presidente da Comissão terá mais dificuldade em ser eleito porque não pode prometer tudo a todos em troca de votos.

Aliás, a mera ideia de estar aberta a um potencial acordo com a direita mais conservadora e radical europeia, já valeu a von der Leyen forte crítica dos restantes partidos políticos europeus que a apoiaram em 2019.

Para além disso, numa votação secreta, nenhum candidato deve pensar que os votos que lhe são prometidos se materializam.

Para chegar à eleição de Estrasburgo, von der Leyen tem antes de ser proposta pelo Conselho Europeu. Não é segredo a péssima relação de von der Leyen com o presidente cessante do Conselho, Charles Michel, e o húngaro Viktor Orbán, que assumirá a presidência da UE a partir de 1 de julho de 2024. Embora não consigam bloquear a sua nomeação, seria ingénuo ignorar as dificuldades que ambos podem tentar criar-lhe.

Mas o ‘joker’ pode estar nas mãos do presidente francês. Macron foi o principal patrocinador da alemã em 2019. Agora, enfrenta a ascensão da extrema-direita francesa nas europeias. Notícias recentes, não confirmadas pelo Eliseu, de que ele estaria a considerar alternativas a von der Leyen, criam mais incerteza. Só Macron sabe o que fará.
A senhora que se segue?
Num mundo cada vez mais incerto, a renovação do mandato da atual presidente da Comissão seria um sinal positivo de continuidade e estabilidade na UE.

Apesar dos obstáculos que ainda poderá ter pela frente, incluindo ela própria, também com o apoio da Alemanha, von der Leyen deverá ser a ‘Sra. Europa’ que se segue. Mais crónicas do autor 07:00 A Senhora (Europa) que se segue?

À medida que o Parlamento Europeu se fragmenta politicamente e se move mais para a direita, qualquer candidato a presidente da Comissão terá mais dificuldade em ser eleito porque não pode prometer tudo a todos em troca de votos.

10 de maio Nos 74 anos da Declaração Schuman

A 9 de maio de 1950, data que assinala o Dia da Europa que celebrámos ontem, Robert Schuman, ministro dos negócios estrangeiros francês propunha aquilo que veio a ser a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, estabelecida pelo Tratado de Paris de 1951.

26 de abril Os estados da democracia na Europa e no mundo

A fragmentação política em si mesma não é necessariamente negativa: mais partidos significa ter mais opções políticas por onde escolher e potencialmente maior participação. A dificuldade surge depois pela incapacidade de forjar consensos ou maiorias que possam garantir estabilidade e governabilidade.

12 de abril União Europeia 2034: Portugal e o alargamento

Leve o tempo que levar, Portugal deve começar já a identificar potenciais oportunidades e riscos e a preparar-se política, institucional e economicamente para uma nova União Europeia.

29 de março O que nos vai trazer 2024?

Para o caso de haver dúvidas sobre a importância de 2024, quero levá-los por uma espécie de cronologia que mostra que, nas últimas cinco décadas, os anos terminados em quatro trazem transformações ou acontecimentos relevantes.

Mostrar mais crónicas Tópicos Ricardo Borges de Castro opinião Visto de Bruxelas comissão europeia eleições europeias
NewsItem [
pubDate=2024-05-23 19:40:46.0
, url=https://www.sabado.pt/opiniao/convidados/ricardo-borges-de-castro/detalhe/a-senhora-europa-que-se-segue
, host=www.sabado.pt
, wordCount=1217
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_05_23_1598711701_a-senhora-europa-que-se-segue
, topics=[opinião, ricardo borges de castro]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]