ionline.sapo.ptMário João Fernandes - 25 abr. 22:54

Se a resposta é Bugalho, qual era a pergunta?

Se a resposta é Bugalho, qual era a pergunta?

O 25 de Abril devolveu aos portugueses o direito a escolher quem os governa. 50 anos depois a televisão assume-se como filtro necessário para a escolha de candidatos a eleições políticas.

A profissão de comentador mutante (em candidato bem sucedido a titular de um cargo político) foi inventada por Marcelo Rebelo de Sousa. Até hoje nunca foi igualado no sucesso mas a cada dia surgem mais imitadores do seu cursus honorum de matriz radiofónico-televisiva. Mesmo os políticos que já conseguiram atingir o podium dos altos cargos do Estado têm como grande ambição tornarem-se comentadores. Dir-se-ia que, humanamente, almejam trocar a dura responsabilidade do “fazer” pela leveza do “opinar”. O comentador tem um programa e uma ambição: passar de sujeito a objecto de comentário, passar de comentador a eleito. E os que foram eleitos no passado não escapam a este karma: comentam para poderem voltar a ser comentados, comentam para voltarem a ser eleitos. O contraponto entre fazer e opinar esquece a natureza esquizofrénica do processo: idealmente o comentador alcandorado a actor político deveria rejeitar a pele de comentador e assumir o mandato político. Mas a natureza de comentador permanece para lá da eleição e grande é a tentação de regressar ao comentariado (falando na terceira pessoa do singular) sempre que seja questionada a argúcia do fazer. Cercado pelos microfones, o eleito regride à condição de comentador e recupera, face às agruras da actuação política, a leveza do comentário.

Esta espiral transformista, em que o comentador se muta, pela eleição, no objecto do comentário, regressando, por conveniências circunstanciais mas repetidas, à condição de comentador, está a atingir as camadas jovens e o processo eleitoral para a escolha de candidatos à eleição como deputados ao Parlamento Europeu.

Esta eleição cruza-se com a tortuosa escolha dos membros da Comissão Europeia e do Presidente do Conselho Europeu. Gente teutónica e dada à procedimentalização já quis jungir as duas escolhas. Felizmente em Portugal há quem salvaguarde nestas matérias aquilo que a festa brava  denomina como “espontâneos”. Em resumo: o importante é manter livre o lugar de Comissário Europeu. Bugalho será muita coisa mas  não é o Spitzenkandidat a Comissário de língua materna portuguesa. A sombra do Comissário de fala lusa já tinha pairado sobre a formação do XXIV Governo constitucional, com vários putativos Ministros a declinarem o convite para as reuniões das quintas-feiras de manhã na Gomes Teixeira, guardando-se para mais verdes pastagens em Bruxelas.

Bugalho não será Comissário Europeu. Mais uma virtude a somar à prova de modéstia já dada: será o primeiro Deputado português ao Parlamento Europeu que sofrerá uma redução do rendimento disponível. O comentariado não deixará de analisar, após a eleição, com concupiscência, a sebástica declaração de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos que depositará nos termos da Lei 52/2019.

O recrutamento deputal junto da classe jornalística já foi empregue no milénio anterior, quando em 1995 Manuel Monteiro recrutou Manuela Moura Guedes para a então pujante bancada parlamentar do CDS. A experiência durou pouco e não foi repetida. Em 2024 o ADN anuncia Joana Amaral Dias como cabeça de lista nas eleições para o PE.

Percebe-se o recurso de Manuel Monteiro e do ADN a cover bands para animarem as campanhas eleitorais: farão esquecer as canções originais. Já no caso do PSD as cover songs anunciadas correm o risco de não agradar ao público, certamente não ao rural.

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