rr.sapo.ptOpinião de Pedro Leal - 24 abr. 19:52

25 de Abril sempre...

25 de Abril sempre...

O alimentar da manipulação e da mentira estão a asfixiar o país numa polarização falsa e perigosa.

Entre 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974, Portugal viveu um momento único. A surpresa e euforia da liberdade, a perspetiva do fim da guerra, a reunião de muitas famílias que a prisão separou e um novo respirar sem censura.

Nesses cinco dias, o país viveu uma unidade quase sem paralelo, viveu um novo princípio fundador e a bandeira nas ruas era a de Portugal.

Os que hoje dizem que 50 anos depois, “o 25 de abril não interessa nada”, não têm dimensão política - não há presente sem história - e, no mínimo, desconhecem as estatísticas: da mortalidade infantil, do analfabetismo, da pobreza, das condições sociais, do desenvolvimento e o caminho realizado.

Um sentir de liberdade e união que surpreendeu e encantou a Europa e que só se repetiria de novo com a queda do Bloco de Leste no final dos anos 80 e o início da década de 90, do século XX.

No dia do golpe, transformado em revolução, guardo dos meus 11 anos algumas memórias do anterior regime que me chocavam, mesmo sem ter consciência do que via: a pobreza e os pedintes (não, não são iguais aos de hoje) e as muitas crianças descalças e sujas nas ruas do Porto.

Em casa, sem racionalizar, havia também sinais. Lembro-me, por exemplo, da aflição do meu pai quando oito dias antes do 25 de abril apanhei no jardim do Carregal uns papeizinhos azuis com uma foice e um martelo e que levei para casa, sem perceber o que eram. Papéis que o meu pai queimou de imediato. Tenho ainda memória do incómodo da minha mãe com o meu pai, por ele, à noite, ouvir o serviço português da BBC – dizia-se na altura que a polícia conseguia saber quem escutava as rádios “do contra”.

Na altura, embora sem consciência, presenciei a pobreza, o atraso, a falta de liberdade, a censura e o medo que asfixiava e condenava um país.

Dos dias a seguir ao 25 de Abril tenho ainda uma memória muito viva da incredulidade da minha mãe com Salazar e Marcelo Caetano. Quando se começaram a noticiar as atrocidades da PIDE-DGS, como os assassinatos, os desaparecimentos e a tortura sistemática, ela ficou perplexa e chocada: como podiam dois homens que se diziam católicos inspirar, permitir e pactuar com tamanha violência e desrespeito pela vida humana?

O 25 de Abril de 1974 foi de facto um momento único e excecional. Um momento que rapidamente se precipitou numa luta ideológica em que a extrema-esquerda tentou impor um modelo de sociedade que quase lançou Portugal numa guerra civil – o país estava polarizado.

Em meados da década de 80, num trabalho para a faculdade, analisei os discursos políticos de 1974 e 1975. Na altura, a conclusão foi, para mim, surpreendente. Quem tinha um discurso mais europeísta, integrador e menos extremista era… Freitas do Amaral – o presidente do CDS, por muitos considerado o herdeiro político do regime derrubado e visto como um “perigoso fascista” pela ala esquerda.

As ideologias e a pluralidade partidária são a base de uma sociedade republicana e democrática. Permitem estabelecer modelos de organização e de funcionamento do estado, em respeito pela alternância democrática. Nem sempre foi assim e nem sempre este modelo pode ser dado como garantido.

Em 1975, no Verão Quente, o modelo foi comprometido pelo extremismo, de esquerda, estabilizando apenas a seguir ao 25 de Novembro.

Nos dias de hoje, um pouco por toda o mundo, com destaque para os Estados Unidos, Brasil e Europa, a extrema-direita é a face visível de um novo extremismo que pode colocar em causa o equilíbrio alcançado durante décadas e minar mesmo a democracia, como vimos com Trump e o ataque ao Capitólio, em janeiro de 2021, e Bolsonaro em janeiro de 2023, com a invasão do Planalto – a sede das principais instituições brasileiras.

O confronto de ideias, mesmo que opostas, é um dos princípios da democracia – o que não é aceitável é a mentira, a manipulação permanente, a exploração, o elogio da ignorância, o instigar dos preconceitos e das notícias falsas como estratégia de luta política, que pelo seu alcance projetam uma imagem distorcida da realidade, colocando em causa o próprio processo democrático.

O novo quadro político português alterou-se de forma radical e por muito tentadores que os jogos políticos sejam, o centro da atividade política deve estar nas pessoas e não no calculismopolítico desligado da realidade e dos problemas do país. Deve estar na discussão plural, não na polarização inconsequente.

Este comportamento, mais as questões fraturantes, está a conduzir o país a um perigoso extremar alimentado pelo populismo, pela demagogia e por alguns media, que na procura de audiências repetem à exaustão determinadas mensagens.

Vivemos hoje um peso ideológico excessivo que polariza e destrói as pontes, quase não havendo espaço para uma simples discordância, sem se ser apelidado de extremista. Hoje, praticamente só há esquerda e direita. Um clima exageradamente polarizado impondo quase uma nova censura.

O momento único que vivemos implica compromisso na procura de soluções de governo e de vivência democrática. O compromisso não é sinal de fraqueza, mas sim uma arma segura contra a esquerda demagogicamente fraturante e o populismo da extrema-direita. Agendas que, mesmo hipoteticamente legítimas, pelo seu tom, intensidade e falsa urgência conflituam com o interesse do país.

No novo quadro político português, as velhas receitas, parecem ter pouca eficácia. Nestes momentos impõe-se o “virar da mesa”, como um amigo sempre me diz. Acredito que hoje o “virar da mesa” é ter-se coragem para se contrariar as lógicas estabelecidas. E hoje a coragem passa por denunciar os jogos políticos que comprometem o futuro e dialogar para fazer política (não para distribuir lugares). Dialogar não é uma fraqueza, mas uma força, apesar do que os comentadores de serviço digam

O tempo político é adverso (temos eleições já em junho), ainda assim é tempo de privilegiar momentos únicos que garantam estabilidade. Não unanimidades falsas, para que o alimentar da mentira não asfixie de novo o país e nos lance numa espiral do caos que nos polarize e divida ainda mais.

25 de abril sempre... extremismo, demagogia, populismo e polarização falsa nunca mais.

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