expresso.ptJoão Costa - 24 abr. 15:21

Araújo, Moreira (de Sá) e Bugalho e as portas da política

Araújo, Moreira (de Sá) e Bugalho e as portas da política

Em apenas três dias, duas entradas, uma porta fechada e uma saída que nos dão um retrato do lugar onde está esta AD que nos governa

Fernando Araújo é um profissional de excelência, foi um gestor hospitalar que conseguiu mostrar, no Hospital de São João, que nenhum serviço público, por mais complexo que seja, está condenado a não funcionar. Contrastou fortemente com a ineficácia da atual Ministra da Saúde à frente do Hospital de Santa Maria, aquele que melhor compara com o Hospital que Fernando Araújo dirigiu no Porto. Sai do cargo de Diretor Executivo do SNS, num ato de grande dignidade e com uma mensagem exemplar enquanto servidor público, deixando incompleto um trabalho de enorme monta, uma reforma estrutural para o país, uma reorganização necessária e difícil do SNS.

A Ministra da Saúde resolveu, tanto quanto sabemos, solicitar um relatório à Direção Executiva do SNS através da comunicação social ou exatamente ao mesmo tempo que desse pedido dava nota à imprensa. À mesma comunicação social foi fazendo saber, em laivos de revanchismo, que logo que pudesse interromperia a reforma do SNS em curso, afirmando, aliás, que o foco do Governo é acelerar o financiamento ao setor privado em vez de continuar o caminho de reforço de financiamento e de reforma na gestão do SNS. Fernando Araújo demitiu-se, evitando uma demissão anunciada, por uma Ministra sem critério para além da sua história de relação pessoal e profissional e a sua incapacidade à frente de um dos maiores hospitais do país. Perde-se um dos melhores servidores públicos, íntegro, competente e honesto, em nome da diatribe política.

Este é o primeiro sinal de uma AD a que devemos estar atentos. Vai ser esta a atitude em relação à Administração Pública e aos seus dirigentes? A mesma AD que criou a CRESAP vai infernizar a vida dos dirigentes e dominar a Administração ou vai fazer como António Costa que, em 2015, assumiu, até contra a vontade de alguns governantes, que era dever do Governo trabalhar com as orgânicas existentes e com os dirigentes selecionados pelo Governo anterior? Devemos olhar com atenção para o que a AD vai fazer. Forçar, pelas palavras e pelos atos, demissões, substituir para dominar, ou ter a humildade de conseguir trabalhar com quem conhece os serviços públicos.

Rui Moreira, por quem tenho muita simpatia pessoal e a quem reconheço muita competência independentemente de concordâncias e discordâncias, tem um currículo político notável. Ser alegadamente empurrado para número 2 ou mandatário de uma lista da AD em detrimento de Sebastião Bugalho, que apenas dá continuidade à prática marcelista ou venturista de saltar diretamente do comentário em horário nobre para a política, mostra um PSD que privilegia a comunicação fácil, o popularucho em vez da experiência e a política em formato showbiz. Claro que Rui Moreira não podia entrar nesse jogo.

Serão ingénuos os que acham chocante que se salte do comentário jornalístico isento e imparcial para cabeça de lista, porque Bugalho nunca foi nem isento nem imparcial, alimentando a sobre-representação da direita no espaço televisivo. A escolha de Bugalho não surpreende, porque a AD sabe que o espaço televisivo que ele ocupou foi tempo de antena gratuito já há muito tempo. Mais do que uma entrada por uma porta giratória, esta foi apenas uma saída de um armário muito pouco fechado. Sobre a AD, a escolha de Bugalho em vez de Moreira revela como esta coligação tem sabido posicionar-se eficazmente no espaço mediático (basta ver o estudo recente do MediaLab sobre a orientação política- tantas vezes não declarada - dos comentadores) e como dele tira partido.

Sou colega de Faculdade de Tiago Moreira de Sá, pelo que me é difícil separar esta relação da profunda desilusão. Moreira de Sá é um académico com obra publicada sobre relações internacionais, regimes democráticos, um estudioso sério. O seu salto do PSD para o Chega não faz qualquer sentido. É incoerente com o seu perfil académico e político, com a visão que tem advogado para a Europa. Se tivesse o perfil de bully de muitos dirigentes ou eleitos do Chega, ainda poderíamos entender.

Assim, lamento dizer, que cheira a puro oportunismo para sobrevivência em cargo político quando o atual PSD deixou de fora. Começa a ser um padrão a fuga do PSD para o Chega, a começar por André Ventura, produto e obra de Passos Coelho. Este tipo de movimento diz-nos bastante sobre a evolução do PSD e devia levar a um questionamento interno. Em que partido se tornou, incluindo na sua família política quem acha que tanto faz estar ali ou num partido anti-sistema e antidemocrático? Que valores têm fomentado internamente para que o oportunismo se sobreponha às causas? Que políticas têm fomentado para atrair quem acha que é indiferente estar ou não estar?

Fernando Araújo deu o exemplo. Mostrou que a dignidade está acima dos cargos. E é disso que política precisa. É este o teste que a AD e o Governo têm de passar. Os sinais dados preocupam.

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