expresso.ptRicardo Duarte - 24 abr. 07:00

O PCP associou-se ao poder e o eleitorado cobrou caro

O PCP associou-se ao poder e o eleitorado cobrou caro

Quais serão as consequências de possivelmente, um partido que ainda controla a maior central sindical de Portugal, não vir a ter representação parlamentar?

O Partido Comunista está agora representado no Parlamento por 4 deputados, menos 2 do que na legislatura anterior. O partido perdeu à volta de 30 mil votos. Em 1979, a APU, coligação em que se inseria o PCP, conseguiu eleger 47 deputados. O que é que provocou de facto esta enorme perda de popularidade?

Os comentadores e analistas políticos responderam a esta pergunta de forma quase uníssona: o PCP é um partido envelhecido, que não foi capaz de se adaptar aos tempos. O partido foi também comparado com outros partidos (ex)comunistas da Europa, que mudaram completamente de imagem ou que se escondem em complicadas coligações. Portugal tem, no entanto, uma tradição política distinta do resto da Europa, caraterizada por uma democracia relativamente recente e por uma esquerda particularmente relevante, explicando-se a partir daí o ‘fenómeno’ Bloco de Esquerda. Se se olhar para além da foice e do martelo, revela-se que o Partido Comunista mudou radicalmente nestes últimos 50 anos. Paulo Raimundo certamente não chamará ‘fascista’ ou ‘reacionário’ a Luís Montenegro, pelo menos fora de comícios.

De facto a realidade política nacional mudou e é praticamente impossível que o PCP volte a eleger 40 deputados, mas reduzir o partido mais antigo de Portugal a 4 deputados também não parece natural. Ao analisar os resultados eleitorais do partido surge, no entanto, uma outra resposta para esta descida ‘paranormal’. Quase sem exceção, desde a década de oitenta, que o Partido Comunista perde popularidade depois de governos liderados pelo PSD e aumenta o número de deputados depois de governos do PS. Um momento específico na história mudou radicalmente esta realidade, em 2015, para evitar que a direita continuasse no poder, Jerónimo de Sousa decide envolver-se na chamada ‘geringonça’. Esta decisão teria sido certamente eventualmente desculpada pelo eleitorado comunista, tendo em conta o contexto específico do ‘pós-troika’, mas o PCP aprovou mais 7 orçamentos de estado de governos socialistas, intercalados pelas eleições legislativas de 2019. A ‘geringonça’ era um acordo muito pouco natural desde a sua conceção, as diferenças entre PS e PCP são profundas e antigas, não só em Portugal como no contexto internacional.

O PCP assumiu-se como um partido anti-sistema, representando uma fatia do eleitorado muito específica, ao associar-se ao centro de decisão e poder, traiu o seu eleitorado, não sendo capaz de continuar a apresentar-se como a força da oposição implacável que tradicionalmente foi. Esta associação ao poder marcou também o discurso e a atitude dos dirigentes do partido em relação ao Partido Socialista, partido que era habitualmente descrito pelos líderes comunistas como sendo de ‘direita’. Apesar da mudança radical de contexto e de ambiente político, comparar o primeiro debate entre Soares e Cunhal com o debate entre Paulo Raimundo e Pedro Nuno Santos é particularmente esclarecedor. É quase o mesmo que comparar uma discussão quase pessoal com uma ‘conversa entre amigos’.

No entanto, o PCP não perdeu tanta influência na sociedade portuguesa como apontam os resultados eleitorais, particularmente no mundo sindical, tão importante para o bom funcionamento da democracia e que sempre teve uma posição de destaque na ação dos comunistas. Quais serão as consequências de possivelmente, um partido que ainda controla a maior central sindical de Portugal, não ter representação parlamentar?

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