www.publico.ptpublico@publico.pt - 24 abr. 12:35

Será possível celebrar a liberdade de outro país e reprimi-la no seu?

Será possível celebrar a liberdade de outro país e reprimi-la no seu?

João Lourenço terá confirmado presença nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, que ainda não se cumpriu para tantas pessoas em Angola, sem liberdade de expressão ou de manifestação.

Será possível celebrar a liberdade de outro país e reprimi-la no seu? Sim, é. A resposta a esta pergunta é triste e contraditória. Pelo menos, esta é uma conclusão possível de retirar da presença confirmada dos chefes de Estado dos PALOP numa sessão evocativa do 25 de Abril que decorrerá em Lisboa.

Se nos debruçarmos, em particular, no caso de Angola, a Amnistia Internacional tem seguido atentamente o contexto de detenções arbitrárias, intimidação e assédio por parte das autoridades angolanas contra vozes corajosas que se atreveram a denunciar violações de direitos humanos, corrupção e injustiça no país. Além de acompanhar a detenção de ativistas e defensores de direitos humanos, tem também apelado à sua libertação.

Ainda assim, o presidente angolano, João Lourenço, terá confirmado a sua presença nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril à Presidência da República Portuguesa.

No Estado que João Lourenço governa, a liberdade é uma miragem para quem se manifesta, mesmo com os direitos à liberdade de expressão e à liberdade de reunião pacífica protegidos pela Constituição angolana e pelos tratados internacionais ratificados pelo país.

Sim, compreendo o convite feito pelo Presidente da República a todos os homólogos dos PALOP, para estarem em Portugal nos 50 anos de Abril, revolução que foi decisiva no processo de descolonização.

Compreendo, mas democraticamente, tenho a liberdade de não concordar. É a contradição que me faz pensar que Abril não se cumpriu ainda para tantos e tantas ativistas, para tantas pessoas em Angola que continuam sem liberdade de expressão ou manifestação livre e pacífica. Lá, estas pessoas não podem discordar do seu Presidente da República. São presas se o disserem, se o fizerem.

Em Portugal, neste dia 25 de Abril, espera-se que milhares de pessoas saiam à rua para celebrar a liberdade e relembrar o caminho percorrido até ela. Que a mensagem possa passar, de alguma forma, para os líderes que ainda a reprimem. Para todos os que a festejam, que se lembrem que ela nunca está garantida e que é necessário proteger a liberdade diariamente.

Protege a Liberdade” é também o nome de uma campanha global da Amnistia Internacional, criada para sustentar e defender a liberdade de todos, numa altura em que ela regista retrocessos e restrições em vários países do mundo um deles é Angola.

Em setembro de 2023, sete ativistas angolanos foram detidos em Luanda, enquanto esperavam para participar numa manifestação pacífica de solidariedade com os mototaxistas no decorrer de restrições do governo à sua atividade profissional. A manifestação cumpria os requisitos legais e as autoridades tinham sido devidamente notificadas com todos os pormenores.

Após a detenção, três ativistas foram libertados antes do julgamento, mas quatro permaneceram detidos – Adolfo Campos, Gilson Moreira (conhecido como Tanaice Neutro), Hermenegildo Victor José (conhecido como Gildo das Ruas) e Abraão Pedro Santos (conhecido como O filho da revolução – Pensador). Estes últimos foram acusados inicialmente de "ultraje e injúria ao Presidente da República". Mais tarde, devido a incoerências e falta de provas, a acusação foi alterada para "desobediência e resistência às ordens".

Estão, neste preciso momento, a cumprir pena de dois anos e cinco meses de prisão e foram ainda sujeitos a uma multa de 80.000 kwanzas cada um. Na prisão, só Gildo está a receber visitas sem restrições. Os outros ativistas enfrentam limitações para visitas dos seus familiares, incluindo filhos pequeninos. A saúde e a segurança dos quatro ativistas tem sido também um grande motivo de preocupação.

A celebrar em Portugal a liberdade, o que podemos fazer pela liberdade de Adolfo Campos, Gildo das Ruas, Pensador, Tanaice Neutro é assinar a petição dirigida ao ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Marcy Cláudio Lopes, apelando à anulação da condenação e libertação imediata dos quatro ativistas. Esta é a ação de acolhimento que gostaria de fazer a João Lourenço. A liberdade é algo de muito digno e sublime. Que Abril chegue a Angola.

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