ionline.sapo.ptEduardo Oliveira e Silva  - 23 abr. 08:45

50 anos e tanta coisa por fazer

50 anos e tanta coisa por fazer

O balanço da madrugada que tanto exaltamos não é propriamente glorioso, apesar dos milhares de milhões de ajudas que já recebemos.

1. Há muitas formas de fazer o balanço do 25 de Abril. Qualquer métrica que se use leva à óbvia conclusão de que os portugueses vivem melhor, têm mais liberdade e são politicamente senhores do seu destino. É a mais pura das verdades. Todavia, uma sondagem recente mostra que em geral os nossos concidadãos mantêm algumas reservas democráticas, mostrando uma certa simpatia por governos fortes. Contudo, o ponto de partida para um balanço não pode ser esse. O que interessa é olhar para o que somos 50 anos depois da revolução e pensarmos no que deveríamos ser. E, aí, o que vimos fazendo a seguir à exaltada madrugada não é propriamente glorioso. Apesar de estarmos na União Europeia e dela termos recebido mais de 500 mil milhões, fora as ajudas e créditos baratos de dezenas de outras organizações, estamos mal. Não falando da Espanha, nem dos países fundadores da UE, podemos fixar-nos nos do Leste, saídos de convulsões graves e até de guerras nos anos 80/90. Ou ainda dos bálticos, libertados de uma ocupação ditatorial dos então soviéticos e ainda agora ameaçados pela tirania de Moscovo. Podemos olhar para qualquer ponto da UE e chegaremos à conclusão de que estamos cá para baixo e, pior, continuamos a descer. A cada mês, a cada ano, verificamos isso com comparações sobre o PIB e outros indicadores. É verdade que crescemos, mas é pouco. Fazemos figuras tristes na Educação, na Saúde, na organização do Estado e no desenvolvimento social. Mete dó ver uma reportagem sobre o interior e ver pessoas com 50 ou 60 anos, pobres, incapazes de um discurso coerente, muitas vezes desdentadas e a viverem miseravelmente, apesar de terem trabalhado uma vida inteira. Essa visão do país real é medonha. Não tem nada a ver com os estúdios de televisão onde se passeiam sucessivos doutorados que mal conseguem exprimir um raciocínio porque empinaram coisas nas faculdades e nas “jotas”. O Portugal profundo (que também há escondido em Lisboa e no Porto), o da pobreza, da velhice, do abandono, da solidão, da falta de médico, da ausência de ambulância, existe e vai permanecer até que morra e não fique nada. Os bancos, os unicórnios da vida são pouco ou nada face a esta realidade. Há umas indústrias pontuais e o melhor que temos continua a ser a Autoeuropa que Cavaco nos deixou. Na verdade, temos uma economia incipiente. Vivemos fundamentalmente de ajudas. Como país somos o exemplo acabado daqueles nomes sonantes que têm boca de rico e algibeira de pobre. Vale o turismo como sempre. Mas nem um aeroporto de jeito temos porque até isso delegámos numa empresa que gere o negócio depois de o ter comprado a pataco. As liberdades políticas estão garantidas. Não serão os extremistas de esquerda ou de direita que as vão pôr em causa. Os de esquerda tentaram, foram derrotados e agora as urnas rejeitam-nos. Os de direita existem, mas enquadram-se na democracia. Não temos, portanto, uma questão de regime. Mas temos, sim, um caso sério de ineficácia do sistema político e social, que é lento, datado e ineficaz. Vivemos do improviso e em qualquer setor há sempre uma confusão, uma ineficiência, um poder instalado que recusa o progresso e a mudança. Somos o país do “sempre se fez assim”. E quando se muda, muitas vezes é para pior ou para formas tão avançadas que deixam uma população envelhecida sem ser capaz de tratar da sua vida autonomamente. A saúde, as finanças, a segurança social e a justiça são disso exemplo. Envelhecemos desgraçadamente nas filas de todas elas. Em boa parte por causa de poderes e poderzinhos que se perpetuam e digladiam entre si. É assim em todo o lado na gestão da coisa pública, sendo que o chamado setor privado também é um sugador do Estado, do qual muitas vezes depende, o que justifica casos de corrupção sucessivos para receber benesses e apoios. Vivemos tempos onde manter o poder exige não fazer nada e passar horas a conspirar para ficar no posto ou tirar o outro de lá. Há uma luta permanente entre tiranetes e candidatos a isso que se dispersa no público e no privado entre burocratas, juízes, magistrados, médicos, gestores, líderes sindicais e Deus sabe lá que mais. As coisas não fluem, os poderes tendem a anular-se e ninguém manda e decide com sapiência. À conta disso morre-se nos hospitais à espera de decisões médicas supostamente técnicas. Uma vergonha! Há sempre um chefe inalcançável, uma estrutura, uma justificação que torna a incompetência impune. Há muito para louvar no 25 de Abril. Mas se quisermos ser rigorosos temos de convir que nós, os portugueses, não quisemos ou soubemos fazer melhor, apesar do muito que nos deram de borla. Algo de muito errado aconteceu para os estrangeiros que nos demandam nos dizerem espantados que as coisas nos supermercados são mais caras cá do que numa Alemanha ou em França. O mesmo acontece com a habitação, a restauração, a saúde privada e por aí adiante. Esta realidade já é percecionada lá fora pela imprensa, que volta a olhar para nós como os parentes pobres lá do fundo. Só que já não existe a compaixão de há 50 anos, depois de uma revolução libertadora de desgraçados periféricos, simpáticos, humildes e prestáveis. Atualmente, a ideia é mais a de que se trata de um canto da Europa irremediavelmente pobre, complexo, cheio de casos que não se pode continuar a tolerar como um sorvedouro do dinheiro do trabalho dos outros. Até porque de França para cima todos os povos têm a clara noção de que importa defender e fazer crescer o Leste, dados os perigos que chegam da Rússia de Putin. Portugal não é decisivo em nada para a União Europeia nem para a NATO, a não ser no que ao mar diz respeito. E disso tomam eles conta se for preciso. É neste contexto que estamos a viver os primeiros passos de uma nova governação. Durante anos não conseguimos desbloquear a sociedade, umas vezes porque se engordou a máquina do Estado, outras porque se vendeu mal e à pressa empresas notáveis. A tarefa de Luís Montenegro é ciclópica e as suas circunstâncias políticas são difíceis em todos os sentidos. Tanto como mudar métodos é preciso reformar mentalidades, o que entre nós sempre foi o mais difícil. Os primeiros sinais são confusos e inseguros. Há muitas pontas soltas para usar uma expressão popular. Há alguns erros óbvios já cometidos. Têm mais a ver com escolhas de pessoas do que com opções de fundo. Todavia, sabe-se que não há boas reformas sem governantes e gestores capazes. Ainda assim é muito cedo para concluir o que quer que seja. Haja esperança!

2. A comunicação social merece uma nota individual, destacada do ponto anterior. Amordaçada até ao 24 de Abril, na chamada metrópole e nas colónias, foi depois objeto de ataques de sinal contrário, como exemplificam os casos das ocupações do República e da Rádio Renascença. Mas, apesar do meio ter atravessado períodos difíceis, muitas falências, projetos loucos, tentativas de controlo estratégico ou parcial, o jornalismo português tem sido um baluarte da liberdade e da democracia. Mesmo de rastos economicamente. Mesmo sem encontrar, cá como em qualquer lado do mundo o seu modelo de negócio, é o jornalismo, com a intermediação que isso pressupõe, a entidade que mais tem contribuído para a denúncia e o elogio do que está bem e do que está mal, das causas humanitárias aos milhares de tipos de crimes e abusos. Podia ser melhor? Sim! Podia ser mais sério? Claro! Podia ser menos militante? Obviamente! Mas se todos cumprissem como os jornalistas, Portugal estaria melhor. Dos vários poderes, o do jornalismo foi o que menos falhou. Isto apesar de situações como a que se assistiu há dias quando uma grande entrevista do general Eanes à RTP foi desgraçadamente remetida para a hora do Marselha/Benfica em canal aberto. Um vergonhoso boicote a Eanes e a Fátima Campos Ferreira. Já a SIC levou o ex-Presidente ao Jornal da Noite de domingo, o noticiário mais visto de toda a televisão portuguesa em véspera dos 50 anos do 25 de Abril. Que diferença!

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