visao.ptSARA NUNES - 23 abr. 09:00

Visão | Primeiro um título, depois um capítulo e, quando menos esperamos, há livros que não chegam a ver a luz do dia

Visão | Primeiro um título, depois um capítulo e, quando menos esperamos, há livros que não chegam a ver a luz do dia

Vamos fazer um exercício diferente, um com o qual os nascidos após 1974 se consigam relacionar melhor. E se nestes 50 anos tivessem sido censurados livros que foram editados nestes anos? E se aquilo que damos por garantido fosse proibido? Um autor censurado, uma voz silenciada, uma ideia apagada

Estamos em 2024 e vamos celebrar os 50 anos do 25 de Abril. 50 anos! Pouco para os que o viveram e que certamente se lembram dele como se tivesse sido ontem, mas já distante para muitos, inclusive para mim que sou de 77 e, felizmente, não vivi a repressão, a censura e a ditadura. Mas talvez porque não vivi o 25 de Abril, sinto ainda mais o dever de defender aquilo por que lutaram as nossas famílias, os nossos antepassados, os nossos heróis. Vejo nos 50 anos do 25 de Abril a urgência de educar de novo o nosso país sobre quanto é importante manter viva a sua memória, para que não nos esqueçamos de como foi e de como prometemos não voltar lá, sob nenhum tipo de argumento.

Neste caminho de liberdade, não é só a cantiga que é uma arma. Os livros também são uma arma contra o desconhecimento, a intolerância e a opressão, contra a demagogia populista a que as pessoas são sujeitas nos inúmeros meios de comunicação, redes sociais e outros meios que tais. Num mundo de excesso de informação e desinformação, os livros são provavelmente o último reduto para o acesso ao conhecimento.

Temos tanta sorte. Hoje podemos ler tudo o que queremos, ter acesso a todo o tipo de conhecimento. Seja contra corrente ou a favor, tudo está disponível para todos, sete dias por semana, e à distância de um clique.

Mas nem sempre foi assim. Antes do 25 de abril, muitos livros foram censurados porque iam contra a norma, levantavam dúvidas e, supostamente, criavam realidades indesejáveis nas mentes dos seus leitores. Manuel Alegre (“O Canto e as Armas”), Aquilino Ribeiro (“Quando os Lobos Uivam”), José Régio (“O Jogo da Cabra Cega”), Miguel Torga (“Os Bichos”), Virgílio Ferreira (“O Caminho Fica Longe”), Jorge Amado (“Capitães da Areia”), Jean-Paul Sartre (“As Moscas”) e muitos mais autores que foram censurados com obras que hoje são consideradas icónicas. Basta ler estes livros para perceber o quanto estávamos condicionados na nossa liberdade de pensamento.

Mas vamos fazer um exercício diferente, um com o qual os nascidos após 1974 se consigam relacionar melhor. E se nestes 50 anos tivessem sido censurados livros que foram editados nestes anos? E se aquilo que damos por garantido fosse proibido? Um autor censurado, uma voz silenciada, uma ideia apagada.

Livros como “Os Cus de Judas”, de António Lobo Antunes, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de José Saramago, “A História de uma Serva”, de Margaret Atwood, “O Amor é Fodido”, de Miguel Esteves Cardoso, “Vinte e Zinco”, de Mia Couto, e muitos, muitos outros títulos com os quais hoje os leitores podem se deleitar não teriam chegado aos escaparates das livrarias.

Imagino que seja difícil acreditar nesta proibição, até porque se trata de um exercício puramente teórico.

Mas a liberdade não é absoluta. Ela é retirada aos poucos, quase de forma impercetível. Primeiro um título, depois um capítulo e, quando menos esperamos, há livros que não chegam a ver a luz do dia.

Ler pode bem ser a melhor forma de luta pela liberdade que todos temos disponível. Os livros contêm toda a nata de sabedoria do mundo e do universo, a experiência de todas emoções já sentidas e que trazem a empatia de que tanto precisamos para perceber o que nos rodeia, a inspiração para criar novos pensamentos e ideias, o caminho para a liberdade de pensamento.

Que seja um bom Dia Mundial do Livro, com consciência para a liberdade de ler o que bem nos der na gana.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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