www.sabado.ptPaulo Lona - 23 abr. 09:19

Abril nos 50 anos e o Ministério Público (vitórias/derrotas)

Abril nos 50 anos e o Ministério Público (vitórias/derrotas)

Opinião de Paulo Lona

Comemoramos os 50 anos de abril, a que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, através das suas redes sociais, se associou.

A magistratura do Ministério Público, moderna e democrática, nasceu do 25 de abril em Portugal.

Foi com o regime democrático, saído da revolução de abril de 1974, que foi criada em Portugal a Magistratura do Ministério Público. Como referiu Souto Moura, Ex-Procurador-Geral da República, "Foi com a restauração da democracia que verdadeiramente se criou entre nós a magistratura do Ministério Público. A partir de uma dupla emancipação: de um lado, a separação da magistratura judicial; do outro, a autonomia em relação ao Governo".

Foi a 14 de maio de 1974 (Lei n.º 3/74) que foi devolvida aos tribunais a denominação de «poder judicial» e a 12 de junho de 1974 é publicado o decreto-lei n.º 251/74, que põe termo ao impedimento do acesso das mulheres à magistratura do Ministério Público.

Existe uma ligação umbilical entre as conquistas de abril e o desenho constitucional e legal da magistratura do Ministério Público.

É uma infeliz coincidência que alguns, no mundo da política e do comentário mediático, desejem, nos 50 anos de abril, voltar atrás no tempo a um Ministério Público com um desenho autocrático, sem investigação independente, sem autonomia ou com uma autonomia mitigada (uma espécie de autonomia QB que permita um controlo político das investigações delicadas).

As preocupações de alguns não se centram no funcionamento eficaz, rigoroso e célere da justiça, não lhes interessa o trabalho dedicado diário dos magistrados do Ministério Público, as suas relevantes funções sociais, as suas insuficiências e dificuldades. Na verdade, apenas se interessam por meia dúzia de processos.

Mas, enquadrada a relação entre abril e o Ministério Púbico, vamos abordar as críticas à atuação do Ministério Público:

"Destruiu a acusação do Ministério Público";

"Arrasa algumas das teses do Ministério Público – nomeadamente sobre a alegada corrupção…e fala mesmo em «mera fantasia»;

"Arrasa Ministério Público";

"Falta de rigor";

"Houve especulação, efabulação, construção de suposições em cima de suposições";

"Tem uma motivação política, sempre teve, e essa motivação política está bem clara numa decisão do juiz";

"A Ordem dos Advogados (OA) defendeu esta sexta-feira que o Ministério Público (MP) deve dar explicações sobre o que se passou no processo…e salientou que a situação justifica uma «profunda reflexão sobre o funcionamento da Justiça».

"Quando uma acusação do Ministério Público é rejeitada na sua maior parte por um juiz de instrução, invocando mesmo deficiências na formulação dessa acusação ou falta de prova

dos factos alegados, torna-se essencial que sejam prestadas explicações públicas sobre o que se terá passado para que tal tenha ocorrido", lê-se numa nota de imprensa da Ordem dos Advogados

E estas críticas contundentes à atuação do Ministério Público serão relativas ao denominado processo Influencer?

Não, estas críticas à atuação do Ministério Público, ao contrário do que se poderia pensar, são relativas ao ano de 2021 e nada têm a ver com o processo Influencer.

Estas críticas foram selecionadas, entre muitas outras, dirigidas ao Ministério Público, logo após a decisão de instrução proferida no processo Marquês.

E o que passou depois?

Todas essas críticas foram esvaziadas e perderam sentido na sequência de uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que deu razão aos argumentos invocados pelo Ministério Público.

A este propósito a CNN Portugal noticiava o seguinte: "Juízas do Tribunal da Relação de Lisboa arrasaram apreciação que Ivo Rosa fez da acusação do Ministério Público. Criticam o magistrado por se ter "afastado do objetivo" e ter realizado "diligências típicas de um verdadeiro julgamento". Esta quinta-feira, soube-se que, ao contrário do que ficou estabelecido na decisão de 2021, José Sócrates será julgado por mais 22 crimes, entre eles corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Para as magistradas do Tribunal da Relação de Lisboa, a interpretação que Ivo Rosa fez de alguns dos factos da Operação Marquês revelou "ingenuidade". O juízo terá ignorado mais de uma dezena de "coincidências" e até confirmado um crime de corrupção neste processo. Em mais de 600 páginas, o Tribunal da Relação tirou o tapete ao juiz Ivo Rosa e, no acórdão assinado pelas juízas Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira, constam vários avisos e críticas à decisão instrutória que, em algumas alturas, não terá tido em conta "os meandros e os caminhos traçados pelos arguidos", "cheios de manobras de diversão".

E o que aprendemos com isso?

Pelos vistos, muito pouco.

Continuamos a tratar a justiça fora do seu âmbito específico de atuação, arrastando-a para uma lógica de confrontação política e de "futebolização", com vitórias e derrotas "arrasadoras" dos vários intervenientes processuais.

A linguagem usada, por vezes, pelos diversos intervenientes nos processos, nas respetivas peças processuais e depois aproveitada no espaço mediático e nas redes sociais, continua a ser excessiva, descredibilizadora do outro e pouco compreensiva com o papel que cada um desempenha no sistema de justiça.

As críticas ao Ministério Público de alguns setores da política, do comentário político/mediático e de alguma advocacia voltam a acentuar-se agora, tal como antes no âmbito do processo Marquês, indo cada vez mais longe e de forma ainda mais prematura, extrapolando, generalizando e atacando uma magistratura fundamental em qualquer Estado de Direito Democrático.

Ora, o Ministério Público não atua numa lógica de defesa de interesses particulares, mas sim na defesa do interesse púbico.

Citando aqui as palavras de Miguel Esteves Cardoso, escritas ontem no Jornal Público, "Quando ouço dizer mal do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República ou dos magistrados, defendo-os. Se estamos a comemorar a liberdade e o 25 de Abril, devemos agradecer a quem, de facto e de jure, no dia-a-dia de todos os anos, defendeu essa liberdade dos ataques e das defesas mais bem financiadas e orquestradas".

Acresce a este frenesim mediático de críticas ao Ministério Público que alguns aproveitaram para atacar a sua autonomia interna, responsabilizando-a por tudo o que entendem que correu mal na atuação do Ministério Público.

Ora, tal crítica apenas pode resultar de uma de duas coisas: Má fé ou desconhecimento.

Não estamos a falar de decisões tomadas por um procurador isolado numa comarca de província. Estamos perante um processo cuja investigação decorre no DCIAP (Departamento Central de Ação e Investigação Penal) que é um departamento do Ministério Público diretamente dependente da Procuradora-Geral da República. Logo, não faz qualquer sentido vir, a este propósito, atacar a autonomia interna do Ministério Público.

É, recorrentemente, necessário recordar que Portugal é um Estado da União Europeia e do Conselho da Europa, estando vinculado a um conjunto de recomendações em matéria de Justiça, nomeadamente de autonomia, interna e externa, do Ministério Público. Ou queremos trilhar os mesmos caminhos seguidos na Turquia, Israel ou Polónia?

Por outro lado, é prematuro, nesta fase processual, com o processo e sua investigação em curso, fazer uma avaliação da atuação concreta do Ministério Público.

O que não quer dizer que não deva existir, quer neste quer em outros processos, uma cultura de autocrítica, uma avaliação, findo o processo, do que correu mal ou bem e do que deve ser corrigido em atuações posteriores, numa lógica construtiva (não destrutiva) de aperfeiçoamento da atuação do Ministério Público.

A busca por rigor, eficácia e celeridade é muito importante, mas está sempre condicionada pelos recursos humanos, materiais e tecnológicos disponíveis, que permitam acentuar o trabalho em equipas multidisciplinares, com magistrados, polícias e técnicos especializados e, eventual, dedicação a tempo inteiro. Mais crónicas do autor 08:19 Abril nos 50 anos e o Ministério Público (vitórias/derrotas)

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