expresso.ptPedro Sobral - 23 abr. 09:41

Continuar a lutar pela liberdade porque nenhum livro está a mais

Continuar a lutar pela liberdade porque nenhum livro está a mais

O 25 de Abril de 1974 marcou um ponto de viragem crucial na história de Portugal. 50 anos depois é preciso não esquecer que as conquistas de Abril não podem ser dadas como garantidas e que todos os dias temos de lutar para as manter. Dia 23 de abril é o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, em que se pretende destacar a importância dos livros como fontes de conhecimento e instrumentos básicos e universais do desenvolvimento humano e social – a chave para uma sociedade crítica e lúcida

Ao celebrar o 50º aniversário do 25 de Abril de 1974, nunca foi tão importante enunciar o quão importante foi e ainda é este dia, quer para a sociedade portuguesa quer para o setor do livro e da edição.

O 25 de Abril de 1974 marcou um ponto de viragem crucial na história de Portugal, representando o fim de quase cinco décadas de ditadura salazarista e o início de um período de transição democrática. Durante estas quase cinco décadas, nunca é demais recordar como a escrita, a publicação e a venda de livros foi cerceada, censurada, rasurada e impedida por uma censura e uma polícia política que, como em qualquer ditadura, pugnava por uma narrativa única e monolítica punindo a liberdade de pensamento, o espírito livro e a imaginação.

A lista de livros censurados e proibidos era constituída por dezenas de milhares de referências. Autores, editores e livreiros eram detidos, interrogados e muitas vezes torturados. Sem medo e resilientes continuavam a sua luta contra o Estado Novo através da palavra e da palavra publicada tendo, por isso, sido agentes cruciais para que o 25 de Abril fosse uma realidade.

Se os capitães pegaram em armas e disseram basta, escritores, editores e livreiros nunca deixaram de abrir as mentes dos portugueses a outras realidades, a outros contextos, ao pensamento crítico e, claro está, à liberdade. Eles também, como tantos outros, fizeram o 25 de Abril e é para eles e para todos os outros que nunca nos podemos esquecer o que se queria encontrar e construir nessa alvorada: Um país democrático, onde o estado de direito fosse o pilar de defesa e garante de uma sociedade livre inclusiva, próspera, plural, desenvolvida e diversa.

A onda de mudanças sociais, culturais e económicas que transformaram profundamente a sociedade portuguesa fez-se nas costas destes homens e mulheres livres e que depois do 25 de Abril continuam a levar esses valores de Abril em todos os livros que escreveram e publicaram.

Vivemos hoje numa época de extremos, onde as verdades absolutas “vigiadas” por polícias do pensamento que, muitas vezes anónimos, clamam pelo cancelamento, reescrita e retirada de livros das estantes e das bibliotecas públicas e escolares. Muitas vezes à boleia de certos sentimentos bondosos de proteção de outros e de si próprios.

Um tempo que recorda aos que trabalham no livro, esses intermináveis anos onde os livros eram traficados por baixo dos balcões, vendidos embrulhados em papel de mercearia e escondidos debaixo de uma qualquer cama para serem lidos em segredo.

Agora e à laia dessa liberdade conquistada, muitos querem voltar a esse tempo de pensamento único e absoluto. E, é por isso, que agora, neste tempo de radicalismos vários, é fundamental recordar esses homens e mulheres que escreveram, editaram e venderem os livros proibidos e censurados mesmo sabendo de antemão que o faziam à custa de uma perda de liberdade ou mesmo da sua integridade física. Recordar, para não esquecer, que as conquistas de Abril não podem ser dadas como garantidas e que todos os dias temos de lutar para as manter. E no caso deste setor deveremos continuar a fazê-lo através da palavra escrita que tem de chegar a todos e a todo o lado nas suas mais diversas e plurais vertentes e formatos. Nenhum livro está a mais. Nenhum livro deve ser proibido. Todos os livros devem ser caminhos, linhas, aberturas, para num espaço público democrático e plural seja possível o debate, a conversação e o confronto civilizado de ideias. Porque é nesta dialética que Portugal será cada vez melhor e que num dia, que se quer breve, se faça cumprir Abril.

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