Pedro Duro - 20 abr. 11:46
Stupid dad
Stupid dad
Opinião de Pedro Duro
Era provavelmente o meu grupo mais antigo. Criaram-no quando me preparava para sair de casa; a casa onde passaram boa parte da infância, sonhando com o casal para sempre, que se faria uma dupla de avós simultaneamente ternos e rabugentos.
A dupla não ficou, mas elas não me largaram.
O resto foi o clássico: um ou outro esquecimento e o "estou com um atraso". E em clássico continuou, entre a ansiedade dela e o meu "não há de ser nada".
Nunca pusemos a hipótese de pôr termo àquilo. Antes de tempo e inconveniente, estava ao alcance de quem tinha um bom suporte familiar. Talvez se atrasassem os estudos, mas o mundo não ia acabar e era algo que estava no nosso horizonte, ainda que longínquo.
Apressámos a boda porque "se aconteceu, tinha de acontecer".
E nasceu a primeira.
Cresci a sonhar com um prolongamento da infância. Com os rapazes daria chutos na bola, andaria de bicicleta, talvez até jogasse consolas. Claro que admitia ter meninas, mas a mãe tomaria conta das operações e eu acabaria ao lado, à espera de que as pequenas me procurassem nos afetos como quem precisa de um urso de peluche. Mas não mais do que isso, porque haveria barreiras ao companheirismo idiota. E eu queria passar alguma da minha estupidez às gerações vindouras. Ora, às meninas não nos era permitido passar estupidez, sabe-se lá porquê.
Ainda estava a acordar destas minhas ideias feitas na adolescência dos anos 80, quando fico a saber que vinha uma menina a caminho. Nasce e apresenta os meus olhos, a minha tez, a tonalidade do cabelo. "Que cara de pai!" – diziam as peregrinas dos primeiros meses. A primogénita tem benefícios que os outros filhos já não alcançam. Um deles é ser mostrada ao mundo, num afã de visitas e jantares, colos e prendinhas, anunciando que nos soubemos reproduzir. E uma filha "de penalty" tem privilégios acrescidos, porque a generosidade da viragem do século insistia em compensar a censura do "estes miúdos não tiveram juízo" com um "mas é uma bênção e precisam da nossa ajuda".
Anos mais tarde, outra. Se dúvidas houvesse, lá vinha nova "cara de pai", insistindo que eu só sabia fazer meninas.
Elas foram sempre a minha rocha. Quando tudo parecia desmoronar, era nelas que pensava. Embora fossem distintamente femininas, alinharam em tudo com o pai e com a mãe, fazendo-se parceiras de vida, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Nunca senti falta de ter um rapaz, porque, para elas, era simplesmente "pai".
E não me largavam naquele grupo de mensagens, partilhando viagens, férias, eventos, êxitos escolares, notas menos boas; enviando dicas ou notícias.
Mas, pelos vistos, não partilhavam tudo.
«Pai, tenho uma coisa para te contar».
«Estás grávida?!»
«Eu não sou maluca como vocês…»
«Engraçadinha…»
«Gostava que conhecesses o meu namorado. Podíamos almoçar.»
«Que coisa tão formal! Ok. Como queiras. É lá do mestrado?»
«Não. É familiar de uma amiga minha. Depois vês.»
Atrasei-me numa reunião com um cliente. Corri para o almoço porque ainda ia ter uma série de reuniões à tarde. Mas também não estava muito preocupado. Ela era sensata e, se estava a fazer tanta cerimónia e ele prestava-se a isso, deviam estar bem. Era bom vê-la feliz. Só esperava que o rapazinho não fosse um mosquinha morta, porque ela tendia a ser a chefe da banda e isso não a fazia crescer. Mas também já era crescida; ou, pelo menos, eu tinha de me convencer disso.
Cheguei. Cumprimentei o senhor ao lado dela, provavelmente um colega de trabalho que tinha passado por ali – cara que, aliás, não me era estranha. Assumi que o rapaz estaria atrasado e preparava-me para terminar a conversa de circunstância com o homem à minha frente.
Lá me esclareceram que aquele maduro com mais cabelos brancos do que eu era o namorado. Não escondi um sorriso nervoso (tendo a sorrir perante o imprevisto), mas consegui esconder tudo o resto.
Ela estava tranquila e decidida. Mas ele teve necessidade de falar do elefante na sala. Sabia muito bem quem eu era, respeitava-me muito, etc. Eu também percebi quem ele era e não podia respeitar menos, sobretudo porque "clareza" e "honestidade" eram palavras que outros lhe associavam. Mas, naturalmente, não tinha imaginado aquele cenário – "genro" era palavra que eu não lhe associaria.
Só queria o melhor para ela. Para já, estranha-se. Depois, quem sabe, entranha-se. Mais crónicas do autor 07:00 Stupid dad
Com os rapazes daria chutos na bola, andaria de bicicleta, talvez até jogasse consolas. Claro que admitia ter meninas, mas a mãe tomaria conta das operações e eu acabaria ao lado, à espera de que as pequenas me procurassem nos afetos.
15 de abril O embrulhoEla era como os embrulhos da minha avó: um deleite para a vista que valia só por si, destacando-se sem agredir, como se fosse natural que aquela flor brotasse ali e ao mesmo tempo nos maravilhasse por isso.
08 de abril Sexta-feiraEra sexta-feira e iria tomar um copo ao final do dia. Se tudo era banal, não valia a pena pensar muito. Era mais uma. Se corresse mal, a conversa chata morria antes do jantar. Se corresse bem, quem sabe….
01 de abril A arte de não serHá que gerir silêncios e informação, sem mentir descaradamente, porque a mentira mais eficaz é a que convence o mentiroso de que está a dizer a verdade.
25 de março A mensagemHoras que passavam e ela nem via a mensagem. E eu parecia um miúdo a espreitar. Também não sabia se tinha desativado o reconhecimento da leitura. Se calhar, os tracinhos não ficavam azuis. O que ainda era pior: podia já ter lido e nem se daria ao trabalho de responder.
Mostrar mais crónicas Tópicos Pedro Duro opinião Stupid dad