eco.sapo.pteco.sapo.pt - 17 abr. 10:25

Restrições ao Chega no Facebook indiciam que violação das regras é “reincidente”

Restrições ao Chega no Facebook indiciam que violação das regras é “reincidente”

Normas da rede social só preveem restrições por mais de 30 dias em casos mais graves e de reincidência na violação. Página do Chega, que tem quase 200 mil seguidores, perdeu acesso a funcionalidades.

As restrições à página do Chega no Facebook por cerca de dez anos indiciam que o partido já terá sido avisado e até sancionado no passado por violar as regras da plataforma, segundo informação disponibilizada publicamente pela Meta, dona da rede social, e corroborada pelos advogados contactados pelo ECO.

No fim de semana, a página do Chega, que tem quase 200 mil seguidores, perdeu o acesso a algumas funcionalidades, como a partilha direta de imagens e vídeos. “Esta é uma decisão claramente ilegal e inadmissivelmente limitadora da atividade política de um partido e, por isso, o Chega vai recorrer judicialmente desta decisão”, reagiu o partido em comunicado.

O ECO remeteu questões à Meta sobre este assunto, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho deste artigo. Já fonte oficial do Conselho de Supervisão do Facebook, um órgão independente com poder para reverter decisões de moderação de conteúdos da plataforma, disse não estar a avaliar qualquer caso relacionado com este assunto.

Porém, advogados ouvidos pelo ECO consideram, por um lado, que a decisão da Meta está longe de ser “claramente ilegal”, como afirma o partido, e, por outro, que o prazo prolongado da sanção indicia que a página já violou as regras do Facebook no passado.

André Ventura, presidente do partido de extrema-direita ChegaLusa “Partido foi convidado a moderar conteúdos”

“Terá havido, seguramente, denúncias. E, além de denúncias, terão havido alertas da Meta ao partido”, explica o advogado Paulo Saragoça da Matta, partner da DLA Piper, acrescentando que uma decisão como esta “não é tomada sem previamente terem sido bloqueados alguns conteúdos”. “É uma sanção ao fim de um processo, que pressupõe que antes tenham havido interações entre a Meta e o partido, em que foi convidado a moderar os conteúdos”, considera. “Tiveram toda a possibilidade e capacidade de evitarem os conteúdos que violam as regras da comunidade”, acrescenta.

No seu Centro de Transparência, o Facebook estipula que o “discurso de incentivo ao ódio” não é permitido na plataforma, porque “cria um ambiente de intimidação e exclusão e, em alguns casos, pode promover violência offline“. Segundo alguns meios de comunicação social, as restrições ao Chega poderão estar relacionadas com a partilha de um vídeo sobre um alegado caso criminal envolvendo uma família cigana, comunidade que é frequentemente criticada por André Ventura.

Os recursos do Facebook explicam que a plataforma vai aplicando restrições às pessoas e páginas cada vez mais apertadas consoante a recorrência com que violam as regras. A empresa é clara a reiterar que uma violação ou remoção de um conteúdo pela primeira vez merece “apenas um aviso” por parte da Meta. Entre a segunda e a sexta, o utilizador perde o acesso a “algumas funcionalidades” por “um período limitado”. E mesmo após dez ou mais violações das regras, a sanção aplicada não vai além da “restrição de criação de conteúdos” pelo prazo de 30 dias.

Sanções de uma década, como a que foi aplicada ao Chega, são uma exceção que se aplica a violações mais graves: “Se os conteúdos que publicaste infringirem as nossas políticas mais rígidas, como a nossa política relativa a pessoas e organizações perigosas ou à exploração sexual de adultos, pode ser alvo de restrições adicionais prolongadas em determinadas funcionalidades, para além das restrições mencionadas acima. Por exemplo, a criação de anúncios e a utilização do Facebook Live podem ser restringidas durante um determinado período a partir da data da tua primeira restrição”, lê-se na informação disponibilizada pela Meta.

Segundo tem sido veiculado pela imprensa, o Chega também ficou impedido de usar o Facebook Live, o serviço que permite transmitir vídeo em direto nessa rede social.

De acordo com as regras da comunidade, na “maioria dos casos”, o Facebook aplica restrições às contas que violem as regras com base em seis níveis de reincidência:

Uma violação: recebe-se “apenas um aviso”, dado que é a primeira situação.

Duas a seis violações: perde-se o acesso “a algumas funcionalidades, como publicar em grupos, por um período limitado”.

Sete violações: a conta é alvo de “uma restrição de criação de conteúdos de um dia, o que inclui publicações, comentários, criação de uma página, entre outros”.

Oito violações: a conta é alvo de “uma restrição de criação de conteúdos de três dias”.

Nove violações: a restrição à criação de conteúdos é estendida para sete dias.

Dez ou mais violações: recebe-se “uma restrição de criação de conteúdos de 30 dias”.

Se os conteúdos infringirem “políticas mais rígidas” do Facebook, como a “relativa a pessoas e organizações perigosas ou à exploração sexual de adultos”, uma conta pode “ser alvo de restrições adicionais prolongadas em determinadas funcionalidades, para além das restrições mencionadas acima”.

Se, mesmo assim, a conta não se moderar, a última sanção prevista é a desativação da mesma por parte da Meta.

Espaço público ou privado?

“Cada rede social não é verdadeiramente um espaço público. É público no sentido em que cada um pode aceder, mas pode ser excluído do acesso. Tem de cumprir as regras estabelecidas pelo grupo”, explica o advogado Paulo Saragoça da Matta. O especialista refere ainda que “qualquer entidade tem direito a, no seu espaço, reservar o chamado direito de admissão”. “Pode acontecer num clube que restringe o acesso aos seus sócios, num simples restaurante que não admite alguém sem gravata ou que se use o telemóvel. O que é proibido é que apresente como critério de admissão um critério ilegal”, diz o partner da DLA Piper. Seria o caso se, por exemplo, esse critério fosse a etnia ou a orientação sexual.

É o que diz também Francisco Mendes da Silva, comentador político e advogado da Morais Leitão: “Estas plataformas, como o Facebook, o Instagram ou o Twitter, colocam-nos perante o seguinte desafio: é verdade que são, por um lado, os principais fóruns de discussão pública e, portanto, da vivência cívica das pessoas nas sociedades democráticas, onde ela se faz com maior amplitude. Mas, por outro lado, estas plataformas são disponibilizadas por empresas privadas e têm o direito de admissão e as suas regras próprias de funcionamento. Podem aceitar quem bem entenderem nas suas plataformas, como o dono de um café tem o direito de admissão”.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, nota que este é “um problema estritamente de uma relação comercial entre o Chega e o Facebook”. “Se o Chega acha que o Facebook está a violar as condições de utilização do Facebook, tem de colocar o Facebook em tribunal. E pode sair do Facebook, ninguém o obriga, sobretudo quando gosta muito de falar da liberdade e iniciativa individual. O Chega não está a ser ameaçado da exclusão total ou parcial do Facebook por um Estado ou por um tribunal”, remata o especialista.

Assim, “é fácil de concluir que o Chega é reincidente. Como não acata os avisos, não muda de atitude. Agora, também admito que o Facebook não faça uma análise assim muito aprofundada dos casos e possa acontecer que achem que o Chega é reincidente por causa da quantidade de denúncias. O Chega também é muito pouco imune a estas coisas. Há muita gente que detesta o Chega e põe-se a clicar no botão de denúncia”, sublinha Francisco Mendes da Silva.

Já o advogado Nuno Igreja Matos, também da Morais Leitão, admite que a Meta não tenha informado o Chega da publicação específica que conduziu às restrições: “É tudo muito especulativo, não sei sequer se o partido foi informado das concretas publicações que estão aqui em causa.” Todavia, também alinha com a suspeita de que poderão estar em causa múltiplas situações: “Especulando, parece-me que poderão estar aqui em causa mais do que uma publicação e ser isso que está a contribuir para a sanção tão longa, ou estarem em causa situações antigas que estão a servir como fator de reincidência. É uma conta que pode ter tido, por hipótese, algumas denúncias, restrições no passado, e com o acumular decidiram aplicar a restrição.”

Não acho que seja uma violação da liberdade de expressão [ao Chega]. O Facebook é uma coisa muito poderosa, mas o Facebook não está a impedir o Chega de dizer aquelas coisas. Está a dizer ‘na minha casa, não’.

Francisco Mendes da Silva

Advogado

O presidente do partido, André Ventura, tem acusado a Meta de “censura” política e, num vídeo publicado na terça-feira, o também deputado diz: “Cortaram-nos o Facebook.” O partido tem dramatizado a situação de outras formas, dizendo, em várias ocasiões, que a Meta “bloqueou” a página do Chega, apesar de apenas lhe ter sido restringido o acesso a funcionalidades específicas da plataforma.

Aliás, como o ECO constatou esta quarta-feira, não só a página do Chega tem continuado a partilhar publicações, como estas continuam a alcançar centenas de utilizadores no Facebook, somando largas centenas de interações. Isto porque, apesar de estar impedido de publicar diretamente imagens e vídeos, o partido tem sido capaz de contornar o impacto das sanções da Meta republicando esses conteúdos de outras páginas da sua esfera política, como a página individual de André Ventura e a página do Grupo Parlamentar do Chega.

Mesmo assim, o partido promete dar luta à Meta em Portugal, admitindo, além do recurso aos tribunais, o recurso ao Parlamento: “Exigimos esclarecimentos e vamos levar o assunto ao Parlamento para devolver ao Chega a sua liberdade de expressão política a que qualquer partido tem o direito num país democrático”, escreveu no comunicado veiculado no domingo.

Se o fizer, será algo que merece a crítica do advogado Paulo Saragoça da Matta: “As afirmações do Dr. André Ventura, que é uma pessoa formada superiormente, doutorada em Direito Público e Direito Constitucional, são, essas sim, de perseguição”, por chamar “uma entidade que está só a cumprir princípios consentâneos ao Parlamento, usando o seu poder de força política ou partidária assente em mais de um milhão de votos, para pressionar uma entidade a admitir um partido a ter uma página na internet onde se promovem valores contrários aos que a Constituição impõe”, diz.

Apesar de tudo, o advogado admite que o partido tenha hipóteses de reverter a decisão da Meta na Justiça, “atendendo ao erratismo da jurisprudência portuguesa”. “Admito qualquer decisão. Agora, que necessariamente deve perder, deve perder”, atira.

O ECO enviou várias questões ao Chega sobre este assunto esta quarta-feira de manhã e encontra-se a aguardar resposta, depois de, na terça-feira, ter tentado contactar várias vezes, sem sucesso, a assessora parlamentar e também deputada Patrícia Carvalho.

Seria ilegal que um restaurante, um operador ou uma entidade violassem o princípio de igualdade no domínio da etnia, ou que fizessem a distinção homem/mulher, ou que impedissem a entrada a homossexuais. Mas já é permitido que se reserve o direito a pessoas que paguem quota, ou que sejam sportinguistas ou benfiquistas. Há o direito a reservarem o direito de admissão, desde que não seja [com base num critério] ilegal.

Paulo Saragoça da Matta

Advogado

Redes sociais arrastadas para a política

A sanção à página do Chega está longe de ser um caso isolado, onde um líder ou partido político é alvo de sanções, restrições ou mesmo expulsão em redes sociais. Situações semelhantes, ainda que com contornos muito diferentes, têm ocorrido em diversos pontos do globo, da Europa à América do Norte e ao sudeste asiático.

No caso mais mediático, em janeiro de 2021, o então Presidente dos EUA, Donald Trump, foi suspenso do Twitter (agora denominado X), do Facebook, do Instagram e do Snapchat, depois de ter sido acusado de incitar o ataque ao Capitólio.

Na altura, a Meta avançou mesmo com a suspensão da conta de Trump por tempo indefinido, um aspeto que foi criticado pelo Conselho de Supervisão do Facebook, ainda que este organismo se tenha mostrado favorável à decisão de suspensão. Isso abriu caminho ao regresso de Trump à plataforma, já enquanto ex-Presidente, em março de 2023. Também suspensa em definitivo no então Twitter, devido ao risco de continuar a incitar a violência, a conta de Trump foi restituída em 2022 pelo novo dono da empresa, Elon Musk, após a realização de uma sondagem.

Também a conta do político eslovaco Ľuboš Blaha no Facebook foi suspensa em junho de 2022 devido a “repetidas violações das políticas relativas ao discurso de ódio”. O político ligado à esquerda já estaria a violar as regras da rede social há muito tempo, sendo que o Facebook já tinha removido um vídeo seu onde alegava que as vacinas contra a Covid-19 causaram a morte de diversas pessoas. Em abril de 2022, Blaha também já tinha sido banido da plataforma por três dias após chamar a falecida diplomata americana Madeleine Albright de “carniceira”, pelo papel que desempenhou no bombardeio da NATO na Jugoslávia em 1999.

Em 2019, o então denominado Twitter (agora X) bloqueou dezenas de contas ligadas ao governo cubano, incluindo a do líder do Partido Comunista cubano, Raúl Castro. A plataforma não explicou o porquê da adoção da medida – a qual foi apelidada de “censura maciça” pela União de Jornalistas de Cuba (Upec) – mas a mesma estaria alegadamente relacionada com o uso de “múltiplas contas” para amplificar artificialmente as mensagens divulgadas pelo Governo e pelo político, segundo a BBC.

Já o anterior primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, ameaçou bloquear o Facebook no país em junho de 2023. A razão da ameaça? O facto de o Conselho de Supervisão da Meta ter recomendado a sua suspensão por seis meses em relação a um vídeo onde apelava à violência contra os seus oponentes políticos. A sua página, no entanto, voltou a ser reativada em julho do ano passado, três dias antes das eleições gerais.

No que diz respeito a partidos, em 2018, o Facebook expulsou o Britain First, referindo que o partido britânico de extrema-direita “publicou repetidamente conteúdo destinado a incitar a animosidade e ódio contra minorias”, tendo ainda banido as páginas dos dois líderes Paul Golding e Jayda Fransen. Já a partilha de “desinformação” relacionada com a Covid-19 foi o “motivo” para o Facebook banir o partido polaco de direita Konfederacja (Confederação) em janeiro de 2022, na altura com 11 elementos no parlamento.

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