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Maria do Céu Antunes: ″Não estive afastada das negociações″

Maria do Céu Antunes: ″Não estive afastada das negociações″

Entrevista JN/TSF a Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura.

Dentro de cerca de um mês e meio, o Governo conta iniciar os apoios à produção essenciais para cumprir o acordo de redução de preços. O processo será simplificado, sem candidaturas, num valor que foi reforçado em cerca de 40 milhões de euros. Maria do Céu Antunes afasta nuvens de fragilidade política, assegura forte envolvimento no desenho da medida de redução do IVA e afirma haver total alinhamento na reforma que está a transferir competências para as CCDR. Contradições com a ministra da Coesão? Só se foi mal interpretada.

No dia seguinte ao anúncio do cabaz de alimentos com IVA zero, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) emitiu um comunicado crítico do Governo, dizendo não passar "cheques em branco". O acordo para baixar preços está condenado à partida?

Este acordo para estabilização e diminuição dos preços dos bens alimentares envolve toda a fileira, desde a produção até ao retalho. E a CAP e a APED, enquanto representantes da produção e do retalho, assinaram, bem como outras confederações de agricultores e outros elementos que fazem parte da plataforma de acompanhamento das relações na cadeia agroalimentar (PARCA).


A CNA representa uma parte muito significativa dos pequenos produtores. Essa exclusão por si só não compromete a eficácia do acordo na produção?

Não nos parece, até porque tivemos em consideração a pequena agricultura. Se em 2022 a pequena agricultura ficou de fora dos apoios à produção, porque as regras comunitárias assim o ditaram, neste momento temos um pacote financeiro de 2,3 milhões de euros. Não deixamos ninguém para trás, até porque os pequenos agricultores são muito importantes para o estabelecimento de relações comerciais de proximidade, os mercados locais, e é muito importante que se envolvam também na persecução deste grande objetivo da estabilização e redução dos preços aos consumidores.

A fiscalização vai ser crucial e o Governo promete uma comissão de acompanhamento composta por oito entidades. Há alguma estratégia definida?

Em primeiro lugar, há um compromisso e nós temos de confiar nas entidades, mas temos instrumentos que nos permitem fazer essa verificação. Na Agricultura, controlamos os preços de primeira venda através do Observatório de Preços e temos semanalmente a evolução. Por outro lado, através de um procedimento que está a ser concluído, um concurso internacional, pudemos contratar uma entidade que nos vai referenciar os preços ao consumidor dos últimos três anos e que vai atualizar a todo o tempo esses mesmos dados.

Quando é que essa informação vai passar a estar disponível?

Assinaremos o contrato com a empresa na próxima semana e quase de imediato vamos ter acesso aos dados. Este mecanismo vai-nos dar alertas, alertas estes que nos vão dar a possibilidade de intervir com as ferramentas que estão à disposição.

Qual será a consequência se verificado que a evolução dos preços não é a que se previa?

Neste momento quero confiar que temos condições para podermos ter bons resultados, até porque não podemos deixar também de olhar para a conjuntura. O INE apresentou dados ainda provisórios, só na próxima semana é que vamos ter os definitivos, em que continuamos a ter uma diminuição da inflação nos produtos alimentares não transformados. No mês passado a inflação estava em 20,1 e agora está nos 19,3. Em 2022 tivemos um aumento médio dos fatores de produção em praticamente 27%. O preço ao produtor aumentou em 14%, mas não foi suficiente para acomodar aquele aumento. A diminuição já se vai sentindo também nos fatores de produção: a energia está a baixar, os combustíveis também.

De certa forma o Governo confia na baixa de preços porque há já uma trajetória nesse sentido?

São questões complementares. Confiamos na responsabilidade de todos aqueles que assinaram este acordo, mas confiamos também que há toda uma conjuntura que está a ser alterada e que nos vai levar para um caminho de diminuição dos preços, mas muito implicado com as medidas que estamos a tomar. Começámos a discutir estas matérias olhando para o diferencial entre o valor pago à produção e o aumento dos fatores de produção. Para termos uma ideia, os agricultores portugueses recebem anualmente ajudas à produção de mil milhões de euros. Para que a produção pudesse continuar a fazer o seu papel, produzir alimentos em quantidade e em qualidade e pô-los a preços justos, sem perda de rendimento, chegámos à conclusão de que o valor adequado para mitigar estes efeitos andava na casa dos 270 milhões de euros, no fundo aplicando uma regra simples sobre os mil milhões de euros e os 27% de aumento dos fatores de produção. Partimos para estas negociações com um envelope financeiro de 140 milhões de euros, e o envelope que agora foi finalizado e está a ser apresentado a Bruxelas, para poder autorizar ao abrigo do regime temporário dos auxílios de Estado, é de praticamente 180 milhões.

Em relação ao Observatório de preços, como é que encara as críticas feitas ao Governo de estar a anunciar um organismo que começou por ser criado em 2015 e de novo ressuscitado no passado mês de outubro?

O Observatório criado em 2015 não correspondeu de todo àquilo que terá sido o seu objetivo e por isso mesmo sentimos a necessidade, por um lado, de reativar a PARCA, no início da pandemia, mas no ano passado sentimos a necessidade de ter instrumentos que mostrem, com toda a transparência, qual é a formulação dos preços. Fomos buscar o exemplo espanhol, porque é um exemplo de sucesso. No fundo, além do acompanhamento do preço à produção que já fazíamos, há o acompanhamento do preço ao consumidor e temos mecanismos de alerta.

O selo do preço justo nos bens alimentares é um projeto que se mantém ou fica suspenso com o acordo agora assinado?

O selo do preço justo é também um instrumento de transparência. Mais uma vez, é o que é feito em Espanha, não inventámos a roda. Com o sistema de acompanhamento de preços montado, permite atestar que não houve especulação, que não houve perda, que todos os elementos da cadeia receberam o preço justo pela remuneração do seu trabalho.

Quando é que começaremos a ter esse selo justo?

Não me quero comprometer com datas. Neste momento o nosso objetivo é fazer o acompanhamento dos preços, é colocar este Observatório tal qual o desenhámos ao serviço dos portugueses e das portuguesas e de todos os elementos da cadeia. A PARCA, do nosso ponto de vista, é a plataforma onde, sentando todos à mesma mesa, podemos garantir o nosso nível de autoaprovisionamento, a nossa autonomia estratégica e trabalhar na definição dos melhores indicadores. Precisamos de ir mais longe, nomeadamente na organização da produção, para que os nossos agricultores, ganhando escala, tenham também uma melhor capacidade de negociar e sejam mais bem remunerados.

Como é que se explica a completa inversão do Governo nesta questão da taxa zero de IVA? Continua a acreditar, como disse nos últimos meses, que há medidas mais eficazes para apoiar as famílias "do que o abaixamento do IVA no cabaz alimentar"?

O que posso dizer é que reunimos a PARCA no dia 22 de março e o que sentimos de todos os agentes da cadeia agroalimentar é que era necessário fazer alguma coisa. O que passava, por um lado, por apoios à produção. Começámos a trabalhar há semanas para chegarmos agora a esta proposta que estamos a submeter à Comissão.

Os apoios à produção são uma medida que podia ser feita sem mexer no IVA.

Se, por um lado, o Governo se compromete com apoios diretos à produção, na ordem agora dos 180 milhões de euros, permite a diminuição do IVA para a taxa zero num conjunto de 44 produtos, com uma diminuição muito significativa do encaixe por via da receita fiscal, e há aqui também um compromisso associado, nomeadamente dos produtores e do retalho, em fazer refletir integralmente a diminuição do IVA.

A oposição considera que, enquanto ministra da Agricultura, e até por causa das más relações com a CAP, esteve afastada e foi desautorizada neste processo. Provavelmente o mais contundente foi o presidente da Iniciativa Liberal, que antecipou que não deve passar do verão. Sente-se fragilizada politicamente?

Em primeiro lugar, não estive afastada das negociações. As negociações foram feitas ao mais alto nível, pelo sr. primeiro-ministro e pelo seu gabinete, mas, como disse, a construção desta proposta começou há semanas e teve o meu envolvimento completo. Desenhámos os apoios, desenhámos a forma de os fazer chegar aos agricultores e durante todo o fim de semana, até ao dia de segunda-feira, estive com o gabinete do sr. primeiro-ministro a trabalhar muito intensamente para podermos chegar a estes montantes. Aliás, o valor inicialmente previsto era de 140 milhões de euros e chegámos aos 180 milhões.

Como é que vão ser canalizados esses apoios?

Tem de haver uma notificação à Comissão Europeia porque ultrapassa o montante que podemos atribuir do Orçamento do Estado aos agricultores. Essa notificação está a ser feita hoje [sexta-feira] a Bruxelas e aquilo que aguardamos é que, no espaço do próximo mês, mês e meio, a autorização nos seja concedida. O que vamos fazer é um mecanismo muito simples. No caso do gasóleo, do apoio atribuído aos suinicultores, às aves e ovos, à eletricidade verde, vamos replicar o modelo que implementámos em 2022. É como se fosse uma majoração do valor que receberam. No caso dos apoios a outros setores, como os bovinos de leite, os bovinos de carne, os ovinos e caprinos, as culturas vegetais, vamos olhar para os agricultores que se candidataram às ajudas da PAC em 2021 e vamos também fazer uma majoração de acordo com o impacto dos fatores de produção sobre cada um destes setores. Vamos tentar fugir à necessidade de candidaturas para simplificar o procedimento e torná-lo mais ágil. Tencionamos fazer, através do sítio eletrónico do IFAP, uma listagem dos agricultores que, por defeito, vão receber estas ajudas e o agricultor apenas terá de ir lá assinalar se quer ou se não quer receber e depois o dinheiro entra automaticamente na conta.

Foi noticiado que o Ministério da Agricultura não participou na escolha dos 44 produtos abrangidos. Confirma essa informação?

A opção do Governo foi, em primeiro lugar, pedir ao Ministério da Saúde que desenhasse um cabaz saudável. O cabaz apresentado era bastante ambicioso. Depois pediu-se também à distribuição que mostrasse os produtos mais vendidos e, no cruzamento desses dois, foram selecionados os produtos que estão na base desse acordo.

E, portanto, teve intervenção nesse processo?

Todos nós tivemos intervenção direta neste processo e o Ministério da Agricultura construiu as medidas, esteve presente nos momentos cruciais.

A CAP voltou esta semana a exigir um recuo na passagem de competências para as CCDR. No caso da Agricultura, há alguma margem de discussão?

A passagem das competências das direções regionais para as CCDR faz parte da estratégia do Governo para dar às regiões maior empoderamento. É a maior reforma que está a ser operada nesse domínio. Quinta-feira, em Conselho de Ministros, aprovámos um conjunto de diplomas e os serviços são incorporados, as pessoas não perdem os seus direitos e não saem do seu posto de trabalho. Vai ser assinado um contrato-programa onde a Agricultura definirá as medidas necessárias para executar a política pública, que será sempre do Ministério da Agricultura.

Um contrato-programa do Ministério com as CCDR?

A CCDR vai ter um contrato-programa com o Governo, assinado ao mais alto nível pelo sr. primeiro-ministro, onde cada área governativa define objetivos, metas, indicadores para podermos cumprir os objetivos de política.

Quando foi desautorizada pela ministra da Coesão, em relação às declarações sobre o facto de os diretores das direções regionais de agricultura e pescas virem a ser vice-presidentes das CCDR, o que transparece é o facto de haver divisões no Governo em relação ao rumo desta reforma?

Aquilo que eu disse sempre é que o diretor regional deixa de existir e as suas funções serão exercidas por um vice-presidente da CCDR. Se outras interpretações foram feitas, nada daquilo que disse até agora é contrário àquilo que disse a minha colega da Coesão, com quem tenho trabalhado sobre esta matéria.

Estão a decorrer as candidaturas ao Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, mais conhecido por PEPAC, estamos a falar de 6 mil milhões de euros. A Confederação de Agricultores queixou-se que o processo é altamente complexo, comparando com o modelo do ano passado. Vão ser feitas alterações para maior simplificação?

É um modelo diferente porque mudámos de ciclo. Foi feita uma reforma muito ambiciosa da política agrícola comum, garantindo uma maior equidade na atribuição dos apoios mas tendo em atenção o uso dos recursos naturais. Por exemplo, no ciclo anterior não havia os chamados regimes ecológicos, agora 25% do pacote do primeiro pilar é atribuído através da utilização de práticas de ambiente e clima que ajudem a que a produção possa garantir a sustentabilidade. A utilização da fertilização orgânica, a produção integrada, a produção em modo biológico, a redução do uso de antimicrobianos, as práticas que promovam a biodiversidade, são tudo medidas a que o agricultor vai ter de se candidatar. E são essas razões que explicam uma maior exigência do processo. Faremos a todo o tempo as mudanças necessárias para facilitar a vida dos agricultores e dos nossos serviços. Talvez não estejamos ainda no ponto que gostaríamos e, por isso mesmo, inscrevemos no PRR uma verba bastante avultada para podermos trabalhar para a digitalização do Ministério da Agricultura.

Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF

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