visao.sapo.ptsvicente - 29 nov. 18:00

Visão | O peso da gravidade na gravidez. Crónica de Joana Marques

Visão | O peso da gravidade na gravidez. Crónica de Joana Marques

Lá porque estão em estado de graça, não significa que o Estado lhes dê, de graça, acesso a cuidados de saúde. Que é lá isso de querer saber se é estranho que o bebé não se mexa há muito tempo?

Uma vontade inexplicável de comer terra, um súbito apetite por cerejas quando são quatro da manhã e nem sequer estamos na época delas, um anseio por saber se está tudo bem com o bebé… eis três desejos comuns entre as grávidas, que os pobres companheiros tentam satisfazer. Felizmente, o Governo pensa pôr travão a um deles, deixando cair a isenção de taxa moderadora nas urgências, a que as grávidas tinham direito. Aguentem a curiosidade até à próxima consulta. Nessa altura se verá se era mesmo grave ou se é apenas um bebé que prima pela discrição. Há que dizer que a taxa será cobrada apenas às grávidas que recorram às urgências de forma indevida, regra que tem um único problema: só se descobre se era indevido, ou não, depois de lá ir. A não ser que estejamos perante alguém que vai consultar um obstetra a meio da noite para saber se o famoso teste chinês, para descobrir o sexo do bebé, é fiável, e se pode começar já a comprar babygrows azuis para o seu futuro Santiago. De resto, corremos o risco de entrar em discussões tão inúteis como aquelas do “foi ou não intencional a mão na bola?”. “Foi ou não com dolo que a gestante se deslocou ao Amadora-Sintra, a um domingo, incomodando os profissionais de saúde com dúvidas acerca de um sangramento, que podia perfeitamente ter esclarecido no fórum demãeparamãe.pt?”

Isto pode até vir a perturbar as relações entre mães e filhos, no futuro: “Luís Miguel, vou descontar 20 euros à tua mesada. É por aquela vez em que fizeste a mãe ir ao hospital, a achar que tinha um descolamento da placenta, e afinal eras só tu a dar a volta. Raça do miúdo, que às 28 semanas já tinha bicho-carpinteiro.” Nós, mulheres, devíamos pôr os olhos nos homens que, num acto de cobardia que até passa por coragem, evitam ao máximo ir ao médico. Normalmente, só lá vão quando já não há nada a fazer, o que é óptimo, pois não sobrecarregam o SNS. Quem acha que a resolução dos problemas nos serviços de obstetrícia passa pela cobrança dessa tarifa não tem convivido, certamente, com futuras mamãs: se há coisa que não as trava é dinheiro mal gasto. Para quem compra termómetros para o banho, pagar 15 euros para falar com um médico nem parece caro. Esta proposta tem sido mal recebida, sobretudo pelas gestantes, na mesma semana em que foi notícia a dificuldade de agendar exames importantes em hospitais de todo o País. Parece-me que o SNS está apenas a tentar ir ao encontro da tendência do parto humanizado, sem epidural, com doulas em vez de médicos, proporcionando uma experiência digna dos nossos antepassados: não há ecografias, não há rastreios, não há idas à urgência. Espera-se nove meses e depois, surpresa! Logo se vê como é que saiu! Isto, claro, se conseguirem apanhar uma maternidade aberta quando rebentarem as águas.

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