www.jn.ptjn.pt - 30 mai. 01:02

A Pequena Sereia

A Pequena Sereia

Inesperadamente, fui assistir, em pleno fim de semana de estreia, ao filme da "Pequena Sereia" com atores de carne e osso, num remake do clássico de animação que marcou a minha geração. Com escamas, barbatanas e muitos efeitos especiais, Halle Bailey foi escolhida para dar vida e voz à protagonista. Uma jovem mulher afro-americana que desempenha brilhantemente o papel e que reconfigura a imagem que durante décadas estava associada a Ariel.

Tinha acompanhado, estupefacta, a polémica que se gerou nas redes sociais quando, há uns meses, anunciaram o nome da atriz. Diziam que ao escolher uma mulher negra a Disney não estava a respeitar a narrativa e a ser fiel à história. Ora, não fosse a reação movida a preconceito, o argumento seria hilariante. Primeiro porque procurar verosimilhança histórica numa sereia é tão estúpido como buscar verosimilhança zoológica no Rato Mickey - as sereias como seres imaginários prestam-se a todas as aparências (das mais humanoides, às mais monstruosas, consoante os livros, os filmes, as mitologias). E segundo, porque nem a narrativa original de Hans Christian Andersen determinava a cor de pele da sereia, nem o primeiro filme da Disney era fiel a essa narrativa. No conto original, o final é tudo menos feliz e a criatura marinha, após uma breve vida como terrestre, acaba no céu, depois de abdicar do seu príncipe.

O que é certo é que para compensar toda essa resistência à nova Ariel, houve muitas meninas negras e mestiças que se viram representadas no trailer e uma onda de comoção começou a crescer nas redes sociais, com imensos vídeos emocionantes. A importância das meninas (sobretudo negras) se verem representadas e de se identificarem com as heroínas dos grandes filmes de animação deveria ser óbvia para toda a gente. E felizmente que há cada vez mais diversidade nos desenhos animados e já não são apenas os rapazes brancos os grandes protagonistas. Mas, ainda assim, é um marco, quando um gigante como a Disney decide transformar uma das suas princesas mais icónicas, escolhendo uma atriz negra para o papel.

Até porque, se grande parte do nosso imaginário foi moldado pela sua influência, tantas vezes nefasta, no que tem que ver com os papeis de género, com os sonhos e as expectativas de futuro das personagens femininas e com a reificação do mito do príncipe encantado como o grande salvador, faz mais do que sentido que ajude, agora, a reconstruir os imaginários coletivos, noutros sentidos mais progressistas. Pelo que vi no cinema, alguns passos foram dados e não foi apenas na questão da diversidade étnica. É que nesta nova história já não é o príncipe o grande salvador, é a sereia, que além de provar que não tem de abdicar da sua voz para atingir os seus sonhos, ainda consegue salvar-se a si e ao seu pai. Mas o melhor (pelo menos na minha sessão) é ter feito com que grande parte da sala se enchesse de meninas e mulheres negras (emocionadas)!

*Música

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