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Abusos na Igreja. "É fundamental ouvir de novo as comunidades"

Abusos na Igreja. "É fundamental ouvir de novo as comunidades"

O coordenador da Comissão Sinodal da Diocese do Porto desvaloriza as alegadas divisões entre progressistas e conservadores na Igreja e defende maior necessidade de discussão sobre a ordenação presbiteral de homens casados.

A crise aberta pela dos questão abusos sexuais "é parte de um caminho sinodal da Igreja", afirma o coordenador da Comissão Sinodal da Diocese do Porto, o padre Joaquim Santos.

Em entrevista à e à agência Ecclesia, Joaquim Santos diz ser "fundamental ouvir de novo as comunidades”.

O sacerdote assume que este é um tema sobre o qual lhe custar falar e que lhe provoca “desconforto”, mas, apesar disso, defende que é necessário “vencer isso” para que “todas as comunidades encontrem caminhos, manuais de procedimento”.

"É bom que nos encontremos juntos como Igreja, para funcionarmos todos a uma só voz”, defende Joaquim Santos, admitindo que a questão “possa criar uma má imagem, uma imagem difícil”, mas diz ter a “esperança, de que, com algum prazo de trabalho, possamos vencer isso e sair deste momento difícil”.

O padre Joaquim Santos afirma que “aquilo a que o Sínodo se propõe pede tempo” e que “dar tempo ao diálogo é fundamental” pelo que “o alargar de prazo” para debater o Sínodo “é essencial”. Neste sentido, adverte para a possibilidade de se “fazer um documento final muito eficaz” e perder-se “o essencial que é esta interação de todos”.

O responsável desvaloriza as alegadas divisões entre progressistas e conservadores, ou entre esquerda e direita, porque “a Igreja faz-se com este caminho multifacetado”. “A Igreja será sempre esta sinfonia de vozes multifacetadas mais harmoniosa ou menos”, afirma.

Sobre a ordenação presbiteral de homens casados, o coordenador da Comissão Sinodal da Diocese do Porto lembra que as consultas no âmbito do Sínodo "surgiram sempre com alguma controvérsia”, o que mostra que “há caminho a fazer” e é necessário “discutir mais o assunto, conversar muito mais, informar-nos mais”.

Ou as duas coisas, provavelmente. Procuramos sempre encontrar novos caminhos. Se calhar muitas vezes fazemo-lo muito prisioneiros do passado. E prisioneiros também pode significar respeitadores daquilo que é o patrimônio que recebemos. Nisto o exemplo é sempre tirado do Evangelho de São Mateus, do pai de família que do seu tesouro tira coisas novas e coisas velhas. Não vivemos só voltados para o que já foi. Também não vivemos à espera da próxima moda, não é? Mas vivemos abertos à novidade que o espírito nos vai trazendo, na escuta e no conhecimento, no respeito por aquilo que recebemos. E eu creio que essa é sempre a atitude da Igreja.

A imagem do caminho é muito rica. Ele fala de esforço, sacrifício, concentração, e isso quem já caminhou na montanha sabe bem o que isto significa. A Igreja como um todo tem feito esse esforço. Depois no concreto de cada comunidade há uma grande variação de passo, de esforço não. Isto é como numa caminhada com um grande grupo. Se caminhamos sozinhos, vamos ao nosso passo. Quando vamos com um grande grupo, vamos ao passo de todos, daqueles que vão na frente andam à procura de caminhos novos e às vezes perdem-se. Vamos ao passo dos que querem voltar para trás.

Mas também há o risco, e eu estou a pensar nalgumas caminhadas de montanha, e há o risco de meterem por caminhos completamente insensatos, porque vão na loucura, na sofreguidão de caminhar. O conjunto é que nos define o caminho, a comunhão de todos, e esta conjugação dos que vão mais lentos com aqueles que têm um passo mais rápido.

É aqui que encontramos o caminho sinodal, o caminho de todos, o caminho juntos. Não faria sentido obrigarmos toda a gente ir ao passo dos da frente porque iriamos ter pesos mortos. Mas também não faria sentido obrigarmos todos a ir ao passo do último, se calhar não é. Estou a falar da imagem da caminhada da montanha, mas facilmente transpomos isso para a vida da Igreja.

Da minha experiência, é preciso haver quem faça aquele trabalho do discernimento. O trabalho de discernir o caminho a fazer e o caminho que pode ser feito por todos. Mesmo que seja preciso esperar um bocadinho e que seja preciso de vez em quando moderar alguns ímpetos que podem levar a becos sem saída também não é. Há de haver aqui um trabalho de discernimento e esse é o trabalho do Sínodo. É este discernir juntos o caminho que é possível para todos.

Eu creio que desde o início do processo sinodal para este Sínodo de 2023 e agora 2024; desde o início começamos a perceber que aquilo que se propunha pede tempo. Aquilo que o Sínodo se propõe pede tempo. Desde logo nas comunidades e foi necessário alargar os primeiros prazos de resposta. E eu creio que temos todos vindo a perceber que o diálogo é fundamental. O dar tempo ao diálogo é fundamental. Por exemplo, na fase continental, fazer voltar as perguntas às dioceses, e nós, aqui no Porto, fizemos voltar às comunidades locais, ainda que com poucas respostas, mas com uma participação interessante. Todo este processo requer tempo, mas o Sínodo é isto mesmo.

Sem isto perdemos o Sínodo. Podemos fazer um documento final muito eficaz, mas perdemos o essencial que é esta interação de todos. O alargar do prazo é um bocado isso.

Eu creio que a Igreja se faz com este caminho multifacetado. Perder alguma das nossas tendências, vamos dizer assim, sempre nos empobrece. E todos temos que aprender uns com os outros. O problema surge quando nos extremamos. Quando a ideia de progresso se transforma em progressismo, significa que estamos sempre à frente, ou seja, no novo, e nada do que está para trás vale. E isto é mentira.

Do mesmo modo, o tradicionalismo. Se se volta simplesmente sobre o passado, sem qualquer abertura aquilo que surge também é um erro. Esses extremos estão um bocadinho fora da comunhão ou pelo menos na margem. Agora a Igreja será sempre esta sinfonia de vozes multifacetadas mais harmoniosa ou menos, mas é isto que nós somos como Igreja.

Foto: Paulo Teixeira/RR Foto: Paulo Teixeira/RR

Claro. Ou comunidades de puros, não é? Seja num sentido, seja no outro. Isso são comunidades sectárias, a Igreja não é isso. A Igreja é esta casa de comunhão, de portas abertas. Temos insistido nisso a partir da imagem, primeiro do átrio dos Gentios e depois da imagem da tenda. O átrio dos Gentios, o pátio dos Gentios alargou se para dentro do espaço eclesial, ou tem-se querido alargá-lo. Claro que isto nos coloca algumas questões de identidade aos cristãos.

Temos que ter uma clareza de identidade muito grande para podermos acolher a diversidade, sem nos diluirmos, mas esta é a nossa condição no mundo.

Eu vivo numa zona da cidade que conhece alguns extremos, do ponto de vista económico e das famílias. Mas não temos muito o extremo mais difícil, de rendimentos mais baixos. Daí que nem sempre sentimos, ou sentimos muito pontualmente, que algumas famílias estejam em dificuldade. Vamos encontrando uma grande dificuldade na manutenção dos nossos centros sociais paroquiais, por exemplo, onde as despesas de alimentação são acrescidas. E onde o esforço de equilíbrio económico de repente se viu alterado com toda uma escalada de preços.

Isso sentimos. Isso sentimos. Depois, do ponto de vista das famílias, sim ajudamos muitas famílias, mas não sinto que neste momento ajudemos mais do que antes. Talvez sejamos nós que não estamos a fazer o nosso trabalho. Não faço ideia. Temos estado atentos a isso e disponíveis para novos projetos, mas ali naquela zona da cidade não temos sentido isso.

Sim, sim. Aliás, é por isso que não sentimos outros problemas sociais, porque a habitação é de tal modo cara naquela zona; os preços são tão elevados que há toda uma parte da população que está afastada daquela malha social. E com o crescendo do alojamento turístico, mesmo os habitantes das tradicionais ilhas, que há por ali, mesmo esses espaços foram ocupados por alojamento turístico; muitos deles. Portanto, alterou a demografia daquela zona da cidade do Porto.

A nossa síntese diocesana também tinha referências muito ligeiras à questão dos abusos na Igreja. As comunidades manifestaram consciência do problema, consciência de que era preciso intervir com celeridade, com transparência. Esta consciência estava presente, mas não se tinha tornado esta questão urgente, a questão do dia. Eu creio que todo este processo, mesmo a constituição de uma Comissão Independente, a receção dos resultados do trabalho da Comissão - tem de ser uma receção criticamente pensada - mesmo isso, parte de um caminho sinodal da Igreja. É a escuta, trabalho da Comissão Independente chamou-se "Dar voz ao silêncio" e isto é parte do processo sinodal, parte essencial: ouvir para depois podermos criar caminhos, uns mais visíveis, outros mais discretos; uns mais imediatos, outros a médio longo.

Creio que é fundamental ouvir de novo as comunidades. Em muitas circunstâncias encontramos algum embaraço, porque custa falar, dói falar do tema, envergonha-nos, deixa-nos numa situação de desconforto. Temos de vencer isso, mesmo nos grupos de escuta sinodais, locais, para que todas as comunidades encontrem caminhos, manuais de procedimento. É bom que encontremos juntos como Igreja, que funcionamos todos a uma só voz, mas depois isso tem de ser trabalhado localmente e adaptado a cada circunstância. E isso é um processo sinodal, evidentemente.

A possibilidade de alguma dessintonia parece imediatamente negativa, mas se calhar é sinal do caminho que temos para fazer. Ou seja, é eventualmente mais verdadeira do que aparecermos todos a uma só voz, politicamente corretos, e acharmos que já encontramos a solução. Este é um bom modo de perceber que ainda temos caminho para fazer. Não podemos descansar do que há para fazer.

Temo que sim, temos que possa criar, pelo menos neste momento, uma má imagem, uma imagem difícil. Também espero, tenho esta esperança de que, com algum prazo de trabalho, possamos vencer isso e sair melhor da crise, deste momento difícil. Todos esperamos isso, mas temos de trabalhar.

Sim. Uma das notas fortes da resposta à consulta sinodal passava por esta questão dos ministérios alargados, a homens casados ou ao casamento dos ministros, que são coisas diferentes, ou ao ministério ordenado de mulheres. Essas questões surgiram, mas surgiram sempre com alguma controvérsia, ou seja, mostrando que há caminho a fazer, temos de discutir mais sobre o assunto, conversar muito mais, informar-nos mais. Quando dizemos “ordenação de homens casados”, o que é que isso significa? Porque, às vezes, dizemo-lo simplesmente, mas depois não tiramos as consequências. E é preciso trabalhar isso.

Ao mesmo tempo, as respostas insistiam muito na necessidade de melhorar a formação sacerdotal. Há um grande apreço pelos sacerdotes, mas há também uma grande consciência de que a formação tem de melhorar, tem de crescer. Esse é um esforço que vem sendo feito, ao longo de muito tempo, mas que, se calhar, ainda tem de dar passos decisivos.

O que não pode continuar a acontecer é haver tanto desconhecimento da vida dos presbíteros, dos dos diáconos, dos bispos, do ponto de vista das comunidades. Quer dizer, as pessoas têm de conhecer melhor, têm de nos conhecer melhor, não podemos ser tão misteriosos.

Eu creio que é de todos, mas nós também temos de ter um bocadinho mais de de esforço. É um esforço global de transparência, a palavra transparência tem de atravessar a Igreja toda, também nisto, também nas questões do ministério ordenado. Muitas vezes parece um tanto misterioso, tudo isto.

Certo. Nunca perderá esse caráter de mistério, senão transforma-se num funcionalismo, rapidamente. Tem de o manter, mas isso não significa que depois, no concreto da vida dos presbíteros, na sua humanidade, sejam misteriosos para as pessoas. A vocação sacerdotal, enquanto a entendermos assim, como vocação e como vocação a um ministério ordenado, um sacramento, tem sempre este caráter de mistério. Mas, depois, a vida dos presbíteros tem de ser muito mais próxima das pessoas, mais conhecida: o modo como vivem, de todos os pontos de vista, do económico à oração, tudo tem de ser bem mais conhecido.

Há manifestações públicas – estou a pensar aqui nas visitas pascais, o tradicional Compasso, no nosso contexto -, que é difícil fazer regressar por muitas razões.

Sobretudo nos grandes centros, a começar pela disponibilidade de voluntários para o fazer. Tenho estado a trabalhar, no concreto da minha paróquia, nesse aspeto e não é fácil. Ao mesmo tempo, aqui uma necessidade - não sei se é para fora -de algum ânimo, desta alegria pascal, não esconder a alegria da Páscoa. Que todo este sofrimento que, como Igreja, temos vivido, não esconda a alegria da Páscoa: é aqui que a alegria da Páscoa acontece, não é na ausência de sofrimento, na ausência de de penitência, de necessidade de transformação e de conversão. A Páscoa acontece quando precisamos de conversão e dizemos que Cristo ressuscitou.

Faz todo sentido. São atos, se calhar temos de reinventar algumas coisas. Com a comunidade da paróquia tenho vindo a dizer isto: se calhar algumas coisas temos de as recriar, mas estamos disponíveis para isso. Vamos conversar, vamos fazê-lo com toda a alegria que nos vem da fé, não vem simplesmente da nossa humanidade, vem de tudo o resto que nós celebramos.

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