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À mesa com o enólogo: Abel Codesso, na Adega do Sossego

À mesa com o enólogo: Abel Codesso, na Adega do Sossego

José Augusto Moreira marcou almoço com o responsável de enologia da Provam no restaurante onde este aprendeu “a provar a sério” – e que continua a ser a sua sala de provas.

Diz que só faz vinho para amigos, para produtores com os quais tem uma forte relação de amizade, mas Abel Codesso é hoje responsável pela vinificação anual de cerca de 1,3 milhões de litros de alvarinho. Nem tudo no seu santuário vínico que é Monção e Melgaço, já que além da Provam – Produtores de Vinho Alvarinho de Monção, também na Galiza tem feito história nestas três décadas de enologia que se prepara para comemorar. E para um raiano, nascido em Melgaço, o habitat estende-se naturalmente até à outra margem do Minho.

Para o enólogo, a Adega do Sossego é muito mais do que um restaurante, faz parte do seu dia-a-dia. Para lá das refeições, é aqui que faz reuniões, que se encontra com amigos e mantém convívios regulares. Desde o início que esteve no centro da sua actividade profissional.

“Foi aqui o que comecei a provar a sério. Vínhamos no final do dia com o engenheiro Fernando Moura e ficávamos a provar noite fora. Comecei a carreira nas Quintas de Melgaço, que fica aqui ao lado, vinha ele, eu e os quatro funcionários, chamávamos-lhes as reuniões do proletariado.” Fernando Moura era então o enólogo da Quintas de Melgaço e, continua Abel, “Foi o meu primeiro grande mentor. O segundo, com quem aprendi de tudo um pouco, foi Anselmo Mendes. Ainda nos juntamos, falamos de tudo, provamos muito, e foi aqui também que me deram confiança para fazer um vinho.”

Para lá dos vinhos, Abel fala do restaurante como um espaço que faz parte da sua vida, uma espécie de casa de família alargada, dos amigos, das tertúlias e noitadas. “No início era uma tasca nos fundos da casa, ficávamos noite fora em tertúlias e cantares ao desafio. A Teresa sempre foi uma excelente cozinheira e o António gosta da música, é acordeonista. Diz que é músico e vadio!”

Teresa e António Castro, fundadores da Adega do Sossego, são também, já se vê, parte do ciclo de amizades mais chegadas de Abel Codesso. Por isso também vinifica os vinhos da sua propriedade. Cerca de 30 mil garrafas com o rótulo Adega do Sossego, metade em espumante.

E foi com espumante que Abel entrou na história dos vinhos da Galiza, ao fazer, em 2008, o primeiro espumante DOC das Rias Baixas. Trabalhava para As Laxas, de onde vem a forte amizade com o adegueiro que viria a criar a Bodega Beira Aral, em Arbo, mesmo ali em frente à Adega do Sossego, onde controla a enologia de mais de meio milhão de toneladas de albariño.

Foto A Adega do Sossego, mais do que um restaurante, é parte do seu dia-a-dia de Abel Codesso. Para lá das refeições, é aqui que faz reuniões, que se encontra com amigos e mantém convívios regulares. Anna Costa

Do lado de cá, além da Provam, têm também a sua assinatura enológica os vinhos de outras pequenas propriedades como Reguengo de Melgaço, Casa de Midão, Encostas da Capela, Casta Boa e Encosta dos Sobrais.

As provas, claro está, têm quase sempre poiso na Adega do Sossego, que deixará também para a história da sub-região de Monção e Melgaço os relatos do Encontro da Acta. “É um grupo de amigos que se junta regularmente, até já temos uma sala reservada aqui na Adega do Sossego. Chamamos-lhe o Encontro da Acta, porque há um livro onde é sempre feita uma acta. É um advogado que a redige, já tem mais de cem. O primeiro a assinar já sabe que é o próximo a pagar a conta e o segundo que é a seguir. O Fernando Moura e o Anselmo Mendes também fazem parte, mas há gente de todas as áreas, não só enólogos. Temos um padre galego com 89 anos que bebe como se tivesse 20 e nunca falha. Falamos de tudo, não só de vinhos. Política, religião e também muita má-língua, e fica tudo registado.”

Abel Codesso, enólogo da Provam, à mesa da Adega do Sossego, em Melgaço Anna Costa Naco de vitela na brasa, na Adega do Sossego (Melgaço) Anna Costa Adega do Sossego (Melgaço) Anna Costa Adega do Sossego (Melgaço) Anna Costa Fotogaleria Abel Codesso, enólogo da Provam, à mesa da Adega do Sossego, em Melgaço Anna Costa

À MESA

Adega do Sossego
Peso, Paderne (Melgaço)

Refeição: Sopa de legumes e bolinhos de bacalhau, naco de vitela na brasa e queijo Serra da Estrela
Vinhos: Côto de Mamoelas Espumante Grande Reserva 2015; Irequieto 2017; e Vinha Antiga 2021, todos da Provam

Três símbolos da Provam

Fiel às origens e apaixonado pelos vinhos de Monção e Melgaço – “não sei se fazemos os melhores brancos, mas somos a melhor região de Portugal para a produção de brancos” –, Abel Codesso escolheu para o almoço da Adega do Sossego três vinhos simbólicos da Provam, projecto pelo qual dá a cara desde 2014.

Nascida logo no início da década de 1990, a empresa resultou da associação de cerca de uma dezena de produtores da sub-região empenhados em distinguir e obter reconhecimento para a qualidade dos seus vinhos de alvarinho. Curiosamente, logo após ter terminado o curso, Abel foi convidado para apoiar Fernando Moura na elaboração de um projecto para a Provam. Acabou por sair com o abandono de Fernando Moura, longe de imaginar que duas décadas depois estaria na liderança da enologia da casa.

Pioneiro a fazer espumantes de alvarinho, Abel não prescindiu do seu Côto de Mamoelas  Grande Reserva 2015, o expoente máximo da sub-região. “Tem cinco anos de estágio com borras finas, mas deveria ter mais”, desabafa. No mercado está agora a edição de 2019, enquanto prepara o lançamento de um Assemblage da mesma colheita, que perspectiva como um decisivo passo em frente na afirmação dos espumantes de alvarinho.

O segundo vinho foi o Irequieto 2017, um vinho símbolo do seu percurso, do apego à família e à tradição vitícola da região. O nome, tal como foi grafado pelo filho no texto da escola que deu origem ao rótulo, remete para o seu percurso como enólogo. Conjugando técnicas da tradição (curtimenta e fermentação maloláctica) e modernidade (fermentação em barrica), é um vinho cheio de personalidade e carácter, irrequieto, com grande frescura e persistência de boca.

Com o Vinha Antiga 2021, revisita-se as origens da Provam. Foi, em 1996, o primeiro alvarinho da região a ser fermentado e estagiado em barricas. Longe dos excessos da madeira que então faziam a diferença, está agora um vinho complexo, intenso e gastronómico. São usadas apenas barricas com vários anos, compondo um vinho elegante, de grande poder e subtileza.

Este artigo foi publicado no n.º 8 da revista Singular.

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