expresso.ptexpresso.pt - 21 mar. 17:36

Direita dura eurocética rejeita plano de Rishi Sunak para a Irlanda do Norte

Direita dura eurocética rejeita plano de Rishi Sunak para a Irlanda do Norte

Ala radical do partido do primeiro-ministro do Reino Unido adota a mesma posição que o Partido Unionista Democrático. Plano acordado com Bruxelas deve ser aprovado no Parlamento esta quarta-feira

A fação mais eurocética do Partido Conservador britânico não apoia o plano do seu chefe e primeiro-ministro, Rishi Sunak, para resolver os problemas na fronteira entre a Irlanda do Norte e a Irlanda. Para esta ala, conhecida como Grupo de Investigação Europeia (ERG, na sigla inglesa), o pacto firmado em fevereiro entre Londres e Bruxelas — conhecido como Marco de Windsor — mantém a legislação da União Europeia (UE) como “suprema” naquela parte do Reino Unido, ao manter a jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça.

O plano agiliza o tráfego de bens pela fronteira (que separa o Reino Unido da União Europeia), dispensando a revista de alguns produtos, e permite que o parlamento regional norte-irlandês impeça novas disposições comunitárias de entrarem em vigor no território. Este dispositivo, chamado “travão de Stormont”, é considerado “praticamente inútil” pelo deputado Mark Francois, que preside ao ERG. Esta posição foi divulgada à imprensa esta terça-feira.

Os problemas na fronteira irlandesa resultam da saída do Reino Unido da UE. A Irlanda do Norte tem de ter fronteira aberta com a Grã-Bretanha (o resto do Reino Unido, de que faz parte), mas também com a Irlanda. Isso é pedra basilar do Acordo de Sexta-feira Santa, que em 1998 pôs fim a décadas de conflito sangrento na Irlanda do Norte, entre protestantes unionistas (partidários da manutenção do território no Reino Unido) e católicos republicanos (que defendem a reunificação das Irlandas). A necessidade de contsurolar fronteiras após o ‘Brexit’ obriga a controlos aduaneiros que geram tensões e põem em causa a paz conquistada a custo há quase 25 anos. O aniversário do Acordo de Sexta-feira Santa assinala-se a 10 de abril.

Placa vandalizada em Derry, na Irlanda do Norte Charles McQuillan/Getty Images

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O grupo eurocético publicou um relatório de 49 páginas, elaborado por dois advogados, que justifica a sua posição. Não acreditam na eficácia das vias verde e vermelha adotadas no acordo para facilitar o escoamento de algumas mercadorias sem verificações. E acusam o Executivo de induzir o país em erro.

Um travão com muitas condições

“A lei da UE continuará a ser suprema na Irlanda do Norte, os direitos do seu povo ao abrigo da Lei da União de 1800 não são repostos, a via verde não é via verde nenhuma, o ‘travão de Stormont’ é praticamente inútil e o próprio acordo não tem forma de saída, a não ser através de um processo jurídico altamente complexo”, criticou Francois. Explica que os cerca de 30 deputados do ERG (num total de 355 parlamentares conservadores) ainda vão discutir se o seu sentido de voto será conjunto ou individual.

Para os rebeldes tories, a via verde que permite dispensar verificações de produtos que vão da Grã-Bretanha para a Irlanda do Norte (como destino final) “só está disponível para uma gama limitada de bens, considerados sem risco, e implica registo prévio e administração que são um fardo”.

Rishi Sunak e Ursula von der Leyen anunciaram o novo acordo em Windsor DAN KITWOOD/AFP/Getty Images

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Já o “travão de Stormont” vem com tantas condições que “é de aplicação muito limitada, em teoria, e provavelmente inútil na prática”. O Marco de Windsor prevê que 30 deputados regionais norte-irlandeses de dois ou mais partidos possam bloquear novas leis da UE no território. O ERG compara esse instrumento a um poder de veto que a Noruega tem na sua relação com os 27 e que só utilizou uma vez em 30 anos, acabando por desistir do mesmo. No caso da Irlanda do Norte, o Governo britânico poderia impedir a aplicação do dito “travão”. E Bruxelas poderia, mesmo que Londres o usasse, recorrer a arbitragem se não concordasse.

Ou seja, dizem os eurocéticos, o pacto cria “o precedente incrivelmente perigoso de permitir que a UE faça regulamentações que se aplicam unicamente ao território da Irlanda do Norte”. Note-se que o Acordo de Sexta-feira Santa permite que as Irlandas se reunifiquem, com regresso automático da Irlanda do Norte à UE, após referendo e se houver sinais de que tal é a vontade da maioria da sua população. Ora, no referendo de 2016 que ditou o ‘Brexit’, 55% dos norte-irlandeses votaram pela permanência na UE (a reunificação não estava em cima da mesa).

Contar até 33

O “travão de Stormont” vai a votos quarta-feira na Câmara dos Comuns, prevendo-se que algumas dezenas de conservadores votem contra o seu próprio Governo. Não está em perigo a aprovação, dado que o Partido Trabalhista apoia o acordo, mas politicamente é significativo Sunak enfrentar uma rebelião. Resta saber que dimensão terá. Dado que a maioria conservadora é de 66 deputados a mais do que a soma das oposições, Sunak cruza os dedos para que não haja mais de 33 deputados conservadores desobedientes.

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Também esta terça-feira, em Bruxelas, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 Estados-membros da UE aprovaram partes importantes do Marco de Windsor, incluindo o “travão” e as novas regras alfandegárias.

O ERG segue a opinião expressada na véspera pelo Partido Unionista Democrático (DUP) da Irlanda do Norte. Para esta força política (que só tem oito deputados em Londres mas é a maior força unionista da Irlanda do Norte e chefiou o governo regional vários anos) o acordo entre Londres e Bruxelas não assegura a uniformidade de leis em todo o Reino Unido.

Sem governo há mais de um ano

Os unionistas opõem-se a qualquer divergência regulatória entre o território e a Grã-Bretanha, temendo que tal empurre os norte-irlandeses para a reunificação com a Irlanda, membro da UE. Pelo mesmo motivo, foram contra a solução hoje em vigor, adotada pelo antigo primeiro-ministro Boris Johnson e consistente em fazer controlos de mercadorias no mar da Irlanda. Na prática, a Irlanda do Norte permanecia no mercado único europeu.

Maria Nilaus Tarp e Ralph Victory, respetivamente embaixadores da Dinamarca e da Irlanda em Portugal Pedro Cordeiro

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Em protesto, o DUP abandonou há um ano o governo regional norte-irlandês, o que o impede de funcionar, já que o Acordo de Sexta-feira Santa exige a participação das maiores forças unionista (DUP, atualmente) e republicana (o Sinn Fein, outrora braço político do terrorismo do IRA) no executivo. O Sinn Fein ganhou, entretanto, as eleições regionais de maio de 2022.

Num tom completamente oposto pronunciou-se Michel Barnier, que foi o negociador-chefe do ‘Brexit’ por parte da UE. Elogiando o acordo entre Londres e Bruxelas numa entrevista ao jornal “The Guardian”, o político francês considera que ele resultou de “espírito de boa vontade pela primeira vez em três anos, para encontrar soluções que são concretas, operacionais e realistas”.

Confessando que não confiava em Johnson, que pouco depois de combinar com os 27 as regras da fronteira irlandesa já defendia o incumprimento unilateral das mesmas pelo Reino Unido, Barnier acusa o antigo governante britânico de “má fé” e louva a “nova atitude” de Sunak, “muito mais responsável”. Um conselheiro de Barnier, Georg Riekeles, reforçou a ideia ao considerar que Johnson “representava a política trumpista para a UE”.

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