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Manifesto de dezenas de juristas defende que “tutela penal dos animais não é inconstitucional”

Manifesto de dezenas de juristas defende que “tutela penal dos animais não é inconstitucional”

Documento contraria aquele que tem sido o entendimento do Tribunal Constitucional, na análise de quatro casos concretos ao longo do último ano.

Um grupo de 47 juristas, com nomes bem conhecidos da sociedade portuguesa, assinou um manifesto em que defendem que a “tutela penal dos animais não é inconstitucional”, considerando que as decisões tomadas, até agora, pelo Tribunal Constitucional, que vão nesse sentido, são baseadas numa perspectiva “excessivamente formalista”. Sustentam, citando um especialista, que a Constituição “não é um catálogo de bens jurídicos”, pelo que “não se restringe ao literal”. E pedem uma solução para o caso.

O documento divulgado pela edição online do semanário Expresso é dirigido ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República, ao primeiro-ministro e aos representantes dos partidos políticos, tendo sido assinado por figuras como o juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Armando Leandro, Francisco Bruto da Costa, juiz desembargador jubilado do Tribunal da Relação de Lisboa, Cândida Almeida, procuradora-geral-adjunta jubilada, Dulce Rocha, procurada da República jubilada, Rogério Alves e Guilherme Figueiredo, ex-bastonários da Ordem dos Advogados, ou Inês de Sousa Real, deputada do PAN. Todos defendem que as decisões tomadas pela 13.ª secção do Tribunal Constitucional, que se pronunciaram sobre a lei que resultou em penas aplicadas em casos concretos de maus-tratos a animais, considerando-a inconstitucional, não são as mais adequadas.

Até agora, os juízes do Tribunal Constitucional pronunciaram-se sempre sobre casos concretos, considerando que a lei de 2014 que tornou crime os maus tratos aos animais é inconstitucional, já que a punição criminal por actos dessa ordem não está inscrita expressamente na Constituição. Por enquanto, a lei permanece em vigor, já que para ser abolida seria necessário que os 13 juízes-conselheiros do Palácio Ratton se pronunciem em conjunto sobre esta questão, de forma geral e abstracta, e não sobre casos concretos, como aconteceu até aqui.

A cada decisão, foram sempre surgindo vozes discordantes, defendendo que a pena de prisão nestes casos pode ser aplicada à luz do direito ao ambiente e à qualidade de vida ou da dignidade do ser humano. Mas os juízes do Tribunal Constitucional entendem que não está definido na lei fundamental do país que bem jurídico com assento constitucional estão a violar os que maltratam animais.

O manifesto agora tornado público considera esta visão da lei “demasiado formalista” e os signatários consideram mesmo que ela “tem gerado enorme perplexidade entre juristas e não juristas, além de grande alarme social e de calamitosa injustiça em sucessivos casos de maus tratos que chocaram, e chocam, o país”.

Várias decisões do TC

Os juízes, conselheiros, docentes, advogados e investigadores que assinam o documento, defendem que a lei de 2014 colocou “Portugal no maioritário grupo de Estados-membros da União Europeia alinhados com a civilidade, que criminalizam a violência gratuita contra animais” e lembram que “centenas de decisões judiciais foram, desde então, proferidas nesse âmbito, sem quaisquer entraves à validade normativa desses tipos de crime ou dificuldades na interpretação dos elementos destes”. Além disso, argumentam ainda, “a abundante doutrina produzida contribuiu igualmente para a estabilidade interpretativa nessa matéria”.

Tudo isto ficou virado de pernas para o ar com as decisões que o Tribunal Constitucional proferiu ao longo do último ano, mas os signatários do manifesto acreditam que “os elementos típicos de maus-tratos a animal de companhia não padecem da alegada e intransponível indeterminação [defendida nessas decisões], como atestam as centenas de sentenças e acórdãos que foram sendo proferidos nesse âmbito”.

Por isso, em nome “do progresso civilizacional já alcançado”, os signatários do documento pedem aos responsáveis políticos a quem ele se dirige que “pugnem pela sustentação da conformidade constitucional do tipo legal de crime que prevê e pune os maus tratos a animais de companhia, garantindo a efectiva ‘construção de uma sociedade livre, justa e solidária’, inclusive para com os animais”.

Os casos analisados pelo Tribunal Constitucional incluem o de uma cadela que foi esventrada pelo dono, e as suas crias mortas, o de um cão que foi esfaqueado por um transeunte, o de uma cadela a quem terá sido atada uma corda ao pescoço presa a um carro, obrigando-a a circular assim, e, o caso mais recente, o de um cão que sofreu um problema intestinal grave por o dono não lhe ter prestado os devidos cuidados.

A inconstitucionalidade da lei de 2014 não significa que os acusados de maus-tratos possam ficar sem qualquer punição. Se a lei fosse abolida vigoraria o regime anterior, que previa coimas até 3740 euros. O regime em vigor prevê coimas entre os 2000 e os 7500 euros.

A deputada Inês Sousa Real já prometeu apresentar uma proposta de revisão da Constituição que clarifique de vez esta questão.

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