Depois da morte da minha Mãe, circulo por leituras várias. Pego e largo, sublinho aqui ou ali, mas não sigo qualquer especial fio condutor. Surpreendo talvez "sentidos" para coisas que agora emergem diferentes, não necessariamente "novas", porque a minha noção de "presente" deslocou-se. E o futuro claramente não me interessa. Não vejo televisão a não ser para filmes, documentários ou uma ou outra passagem específica noticiosa. Por exemplo, foi graças a um programa da Fátima Campos Ferreira que fiquei a "conhecer" o escritor Rentes de Carvalho. Encomendei dois livros dele para experimentar, porque crónicas em jornal já tinha lido. Não "romances", mas daquilo a que os franceses chamam de "récit". Num deles, "A ira de Deus sobre a Europa", encontro um homem, então com 86 anos, que me conta da sua vida ter sido "um suceder de decepções políticas, sonhos desfeitos, promessas mentidas, amanhãs contrários". Ou mais adiante, um homem que não crê "na bondade inata do ser humano", mas que quer crer "que fora as leis que garantem o direito e a justiça, o funcionamento de uma sociedade necessita de um certo nível de decência". As palavras-chave, aqui, são decepção e decência. O Portugal contemporâneo decepciona e é indecente. Começa nos próprios portugueses. Por omissão e estupidez alheia, deram uma maioria absoluta a um partido que constituiu o pior dos seus três governos. Um autêntico improviso organizado, em que o chefe da banda acumula virtualmente pastas sobre pastas ao fim de escassos três meses de funções. O que exige ponderação e continuidade é tratado como se os "responsáveis" pouco mais tivessem que o ensino básico, e um recreio para intervalo. E decidem no recreio, entre "amigos", quando precisamente na política decente não há amigos. Depois temos - não temos - o presidente da República, neste dia na sua enésima viagem ao Brasil a pretexto do vetusto voo da dupla Coutinho-Cabral. Mal chegou, exibiu-se no calçadão do Rio, a caminho de uma banhoca, saído do mais luxuoso hotel brasileiro, o "Copacabana Palace". Fez saber que preferia encontrar-se com um candidato presidencial em vez do presidente em exercício que, à hora a que escrevo, cancelou Marcelo em Brasília. Ora nós não queremos saber dos 23 graus da água do mar para nada. Queremos é saber para que são estas farsas. Para que foi aquela declaração pífia, envergonhada e inconsequente, em Belém sobre as trapalhadas do Governo por causa do aeroporto. E qual a necessidade de ir depois a correr jantar com os amigos à Ajuda para obsequiar o presidente de um país que, em 2022, usa a pena de morte por causa das opções sexuais do indigenato. "A decepção é o estigma da decadência", escreve Agustina. Não havia necessidade.