ionline.sapo.ptAntónio Galamba - 4 jul. 09:05

Time out, desconto sem tempo

Time out, desconto sem tempo

No desporto, o time out é uma interrupção do jogo para corrigir a estratégia, o posicionamento e o curso dos acontecimentos, em divergência com o pretendido.

Na política, o time out parece ser um estado de desculpa permanente, em que o erro não é de se considerar se for corrigido. Imagine-se esta doutrina da responsabilidade política pelos acontecimentos aplicada à vida do cidadão comum. Não paguei impostos no prazo, posso pagar depois do tempo certo para corrigir o erro e não é admissível qualquer penalização pelo incumprimento. Na nossa sociedade, talvez por influência católica, o erro não faz parte do processo construtivo, é pecado. É claro que há sempre o perdão e o juízo final, coisas a que o fisco é pouco dado, a menos que exista um estatuto do visado, algo extensível ao sistema bancário e a dependências setoriais da nossa praça. Alguns podem até tentar contornar a lei, em modo desenrasca ou chico-esperto, mas erro é erro.

Vem isto a propósito do alegado erro de comunicação da narrativa do governo a propósito da construção do novo aeroporto de Lisboa, uma das séries governativa com mais temporadas da democracia portuguesa.

O Governo contratou um master chefe da comunicação que se afirmou na dinamização de uma revista de atualidades proto turísticas e na dinamização do Mercado da Ribeira, sendo possível que a proximidade às bancas de venda de peixe possam ter contagiado o exercício a que se assistiu. Não é inédito, pois dias após a posse da coordenação, com várias as urgências em colapso, o conselho de ministros reuniu e na conferência de imprensa, quando perguntados pelos media, foi respondido que o assunto não tinha sido debatido na reunião. Mais tarde, a ministra de turno na Saúde apresentava um plano qualquer coisa. Grande sintonia com o país e coordenação.
Mas, aterremos no caso do(s) novo(s) aeroporto(s).

Do fim de semana, ficámos a saber que o presidente da câmara municipal de Lisboa, Carlos Moedas, sabia da solução anunciada e despachada para o novo aeroporto desde 14 de junho, aquando do lançamento da construção de habitação no Bairro Padre Cruz. De 14 a 29 de junho, é uma quinzena, quinze dias. Uma eternidade nos tempos modernos, de alta voragem mediática e intensidade de ritmos quotidianos. Já nenhum de nós se lembrado do que fez nos últimos 15 dias, mas, por regras, foi muita coisa, quase tudo o que precisámos ou tínhamos de fazer.
Dito isto, o acaso, o “sem querer” ou a “falha de comunicação” não tidos nem achados para uma interação entre quem já fez tanto caminho junto. O caso serviu para pontuar e fustigar a outra parte.

Um dos pilares críticos dos próximos tempos é a capacidade de concretização, de fazer, de fazer bem e de aproveitar as oportunidades de financiamento para responder aos problemas estruturais, aos impactos da conjuntura (pandemia e guerra) e aos desafios do futuro. A capacidade de fazer acontecer é decisiva para a execução do PRR e dos outros instrumentos da governação, mas também para as respostas aos cidadãos e aos territórios. Haver alguém que faz ou tentou fazer mais, mais rápido, e que não lhe permitiram vai ser uma marca diferenciadora, mesmo que tenha as áreas tuteladas muito enleadas em turbilhões de impossibilidades ou burocracias, como se tivessem sido presentes envenenados de quem distribui jogo.
Por vezes, perpassa na política uma deriva para a domesticação de ambições em que os protagonistas perdem o foco do essencial, as pessoas e o bem comum, para se entreterem, por ação ou omissão, em impulsos de interesse particular e pessoal.

Neste jogo de “domesticador de ambições”, a propósito do aeroporto, ninguém saiu bem.

Não saiu o domesticador mor que deixou passar a imagem de que não controla a comunicação e a ação do governo. O “patrão fora dia santo na loja” evidencia o descontrole na fase do erro, a ação de recurso na fase do controlo de danos e o exercício de autoritarismo, em que, mais uma vez, em democracia, tentar proclamar o fim dos assuntos em debate.

Os alegados “não assuntos”.

Não saiu o domesticado que tendo tentado fazer mais, com quinze dias de preparação e acólitos no terreno interno em contactos de preparação para uma importante movimentação, ficou-se pela continuidade no exercício do poder, sob a alça de um domesticador mor, que já não controla diversos territórios relevantes para o futuro interno e externo.
Não saiu, uma vez mais, em contexto de maioria absoluta, o hiperativo presidencial confinado a saber pelos media algumas das opções de política do país, sem que deixe de se desmultiplicar em declarações por tudo e por nada, sem senso nem critério.
Não saiu o país que se enleou, de novo, ao fim de 50 anos, em nova discussão sobre o novo aeroporto de Lisboa, enquanto o atual sucumbe às gulas das oportunidades e das impossibilidades, em espetáculos vergonhosos de indignidade humana, desrespeito e incompetência no seu funcionamento.

Perpassa a triste ideia de desnorte na utilização positiva e útil da maioria absoluta, com um desgaste inusitado poucos meses depois da posse, numa altura em que os portugueses estão confrontados com muitos irritantes. Sob o ponto de vista partidário, é como se o atual líder tivesse chegado ao poder por via de uma onda externa imparável que condicionou o partido internamente e a perspetiva agora fosse a de assegurar uma onda interna tão sólida pelas peças dispostas no terreno, que incólume a fatores externos, faria o seu caminho, em qualquer circunstância ou desconsideração da domesticação de ambições. 

Sem uma visão estratégica para o país, reforço da capacidade concretizadora, compreensão dos portugueses em relação às opções e com os reajustamentos que estão a ocorrer nos partidos e na sociedade, qualquer time out tem de ser bem aproveitado. Não para que tudo fique na mesma ou se responda com narrativas sem nexo. Cada um por si, com erro, correção e perdão. O “perdoa-me” é poucochinho para tanta exigência aos portugueses.

NOTAS FINAIS
O REVISIONISMO SOVIÉTICO NO FUTEBOL. Foi chumbada a tentativa de reescrever a história dos campeonatos de futebol, que confundia alhos com bugalhos. O espantoso é que quem acolheu o impulso, a federação, não ter tido opinião, só pareceres. Parece mal, tanta “moluscosidade”. 

O ESPLENDOR DO PCP. Depois da anuência ideológica com Putin e o que resta do imperialismo soviético, o espasmo de vitalidade do PCP em forma de comunicado contra a NATO e a Cimeira de Madrid é uma peça de museu em contramão, carregada dos chavões do costume como que a mobilizar para a Festa do Avante, tal é o frenesim no Centro de Trabalho da Avenida capitalista da Liberdade na promoção do evento, este ano com renovado simbolismo. Presos aos compromissos dos passados de barbárie comunista, entretêm-se a proclamar intenções, enquanto dão cobertura à invasão e à guerra de Putin.

OCEANOS DE PROCLAMAÇÕES. A Cimeira dos Oceanos, no país que tem a maior área económica exclusiva, esforçou-se por ir além das proclamações. Portugal, que acaba por ser um rodapé global nos impactos, assumiu mais metas, enquanto tem dificuldade em cumprir outras com que se comprometeu em diversas áreas. Do 8 para o 80, a realidade tende a sobrepor-se à ambição, por vezes, desmedida das proclamações. 

Escreve à segunda-feira

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