sol.sapo.ptFrancisco Gonçalves  - 4 jul. 00:00

A Rússia ajudou a escrever o novo conceito estratégico da NATO (e o pilar europeu da aliança é um bluff)

A Rússia ajudou a escrever o novo conceito estratégico da NATO (e o pilar europeu da aliança é um bluff)

Se a Rússia é entendida como a principal ameaça, a China tem sido vista como principal desafio estratégico, particularmente pela academia norte-americana, que se tem debruçado bastante sobre uma futura ‘transição sistémica’ e sobre os riscos de conflito que esta pode acarretar. O debate e a literatura sobre esta temática têm sido particularmente intensos na última década.

por Francisco Gonçalves 

A Cimeira de Madrid da NATO trouxe a novidade de um novo conceito estratégico que, na realidade nada tem de novo, e que reflete, sobretudo, a visão norte-americana do mundo, seja nas ameaças diretas ou nos desafios estratégicos.

Na audição de confirmação do secretário de defesa James Mattis (em janeiro de 2017), este colocou a Rússia como principal ameaça aos Estados Unidos da América. Também o atual secretário de defesa, Lloyd Austin, expressou semelhantes posições, bem como o Chefe de Estado Maior, Mark Milley, avisou, também em 2015, que a Rússia era «a ameaça número 1 para os EUA».

Todos estes homens têm algo em comum: são todos generais ‘estrelas’ norte-americanos, representam a elite do País e, naturalmente, a sua visão do mundo é a visão da escola de estratégia dos EUA. Não está em causa doutrina militar, mas visão para a manutenção da preponderância dos EUA no sistema internacional.

Durante a Guerra Fria, os EUA construíram um sistema de alianças que foi essencial para garantir a ‘contenção’ da URSS. A esse sistema de alianças somavam um país internamente coeso, forças armadas competentemente equipadas e uma estratégia diplomática que foi sempre capaz de ‘dividir’ URSS e China, isto é, garantir que a China era mais próxima dos EUA do que da URSS.

Atualmente isso não acontece, não tanto por ação dos EUA mas, simplesmente, porque uma e outra são potências revisionistas, descontentes com o status quo, que pretendem alterar.

O novo conceito estratégico da NATO assume isso mesmo, a oposição da aliança às pretensões daqueles dois Estados.

A Rússia ajudou a NATO a redigir o seu novo conceito estratégico, colocando-se novamente no centro da equação. Esquece, porém, que tem um produto interno bruto (PIB) inferior a 10% do norte-americano, um PIB per capita que é um sexto, um orçamento militar inferior a 10% e que, até 2050, se estima uma diminuição de 10 milhões de habitantes (passando dos atuais 146 milhões, para 136 milhões). 

Note-se que, propositadamente, este texto confunde conceito estratégico da NATO com os EUA e os seus interesses, pela simples razão deste representar - sobretudo - isso mesmo, os interesses norte-americanos. A situação não é necessariamente má, uma vez que os EUA vêm suportando a despesa militar europeia, agradecendo a Europa o alívio daquela despesa e entregando, em retorno, o seu alinhamento. Recordando Manuela Ferreira Leite: «Quem paga, manda!».

Na semana passada escrevemos, nesta coluna, sobre a dependência estratégica europeia, ela é factual. Os países europeus têm tanto de receio de regressar ao período pré-1945 que preferem, nestas matérias, ter um patrão em Washington do que em Bruxelas.

Mesmo em contexto de perigo real (guerra), o primeiro-ministro português condicionou o cumprimento das obrigações de dotar a defesa com 2% do bolo orçamental à disponibilização dos fundos comunitários, o que diz muito da posição atual de Portugal. 

Tem razão o chefe de Governo, com uma economia que teima em não crescer, a estratégia só pode ser continuar a ‘sacar dinheiro a Bruxelas’, até para a política de defesa…

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