Os maus-tratos, abusos sexuais, violações e homicídios de crianças são crimes hediondos que causam intensa repulsa e censura na comunidade. São cometidos por gente que transporta uma carga sub-humana, despida de sensibilidade e com total desrespeito pelo ser humano que é a criança. Não vou tratar do cruel homicídio da pequenina Jéssica, pois o processo-crime está em segredo de justiça. Quero, sim, alertar para o facto de neste tipo de crimes existir uma responsabilidade ética e moral de todos nós, cidadãos, Estado, instituições e organizações. Todos somos responsáveis pelas falhas e omissões na efectiva e concreta protecção das vítimas. Os familiares, os vizinhos, os professores, os médicos têm a obrigação cívica de denunciar factos, indícios ou suspeitas de maus-tratos a crianças. As autoridades, pela sua função de defesa dos cidadãos, devem ser lestas, mas rigorosas no apuramento dos factos e assertivas na aplicação de penas severas aos criminosos, e procurar para a vítima a medida de protecção mais adequada e efectiva. As comissões de protecção de menores e a Segurança Social não podem limitar-se a sinalizar as crianças maltratadas e o ambiente familiar vivido. Devem ser proactivas e permanecer no terreno acompanhando assiduamente a situação, propondo as medidas necessárias à salvaguarda do bem físico e psicológico da criança. Os responsáveis políticos devem estar atentos ao crescimento exponencial destes casos, actualizando as competências e os deveres de todas as entidades responsáveis pela defesa e protecção dos menores. A Convenção dos Direitos da Criança determina que qualquer decisão a tomar relativamente às crianças desprotegidas, negligenciadas ou abandonadas deve atender exclusivamente ao seu superior interesse. A criança tem direito à felicidade, a um lar de afectos no qual lhe sejam ministrados os princípios universais dos direitos humanos, educação, cultura e amor. Não cumpre as exigências da Convenção mantê-la num ambiente de degradação e abandono só para que esta continue com os pais biológicos, que não são seus donos e não é a eles que a decisão deve satisfazer. Há inúmeras crianças em estabelecimentos e organizações vocacionadas para a adopção, porém são vários os anos de burocracias até que seja proferida uma decisão favorável. Por mais carinhosos e afáveis que sejam os cuidadores, as crianças perdem ali a sua infância, os afectos de uns pais, ficando prejudicadas a normal e livre formação da personalidade, a criação de laços e vivência familiares, a sua aprendizagem cultural e educacional. Os magistrados colocados nos tribunais de família e menores devem ter formação especializada, inicial e continuada para atenderem às concretas necessidades das crianças e só o superior interesse destas deve pesar nas suas decisões. Algo vai mal na sociedade quando não se cuida e protege o mais belo legado da humanidade, as crianças de hoje, cidadãos e cidadãs do amanhã. É tempo de agir.