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É a estratégia, senhora ministra

É a estratégia, senhora ministra

Não se espera que seja o gabinete da ministra a resolver. por exemplo, o problema da urgência obstétrica do Hospital das Caldas da Rainha - o cargo é para outras funções, para os assuntos estruturais. Os secretários de Estado, os directores-gerais e

Se o Ministério da Saúde tem ocupado nos últimos dias, e pelas piores razões, as primeiras páginas dos jornais é porque vários problemas, próximos e longínquos, estão por resolver. Um problema é sempre um complexo de estrutura e conjuntura. Os problemas conjunturais, como o recente encerramento de urgências obstétricas do SNS, há muito que deixaram de ser casuísticos, sendo consequência de défices ou de entorses estruturais. O que agora se tornou numa aflição já antes tinha acontecido com outros serviços, sempre com recurso a medidas avulsas, em que os contributos das empresas de trabalho temporário acabaram por ser a resposta mais à mão para uma necessidade; é como se se quisesse tratar um anorético à base de pizas e refrigerantes. Ele vai engordar - é rápido, é doce e sabe bem -, mas também vai ficar diabético.

A última tentativa de se mexer na estrutura do SNS foi há vinte e sete anos, daí para cá, salvo raras excepções, só têm subido ao pódio medidas conjunturais. Até quando se passam para o papel soluções estruturais, como no caso da Lei de Bases da Saúde? Talvez porque há sempre qualquer coisa que está a acontecer, que me desculpe o José Mário Branco. Acontece, mas não é esperado que seja o gabinete da ministra que esteja a resolver o que está a acontecer - por exemplo o problema da urgência obstétrica do hospital das Caldas da Rainha -, o cargo é para outras funções, para se dedicar aos assuntos estratégicos do sector, para os assuntos estruturais. Os secretários de Estado, os directores-gerais, as administrações regionais, toda a fileira com responsabilidades políticas ou administrativas hão-de servir também para isso, para gerir o dia-a-dia do SNS. E se a ministra se dedicar o tempo inteiro a equacionar as soluções estratégicas para o sector ainda lhe vai faltar tempo para as aplicar, tantas, tão complexas e demoradas elas são.

A ministra não sabe isto? Sabe. Só estou a enfatizar o que deveria estar a ser feito e não está. Suspeita-se porque não o está a fazer, provavelmente por falta de vontade política, essa acaba sempre por ser a primeira a cansar-se. Se digo isto, é porque eu e mais umas quantas pessoas estamos na dúvida sobre em qual dos documentos o Governo se revê, qual deles corresponde ao seu ponto de vista para as mudanças a realizar no SNS: a Lei de Bases da Saúde ou o projecto de Estatuto do SNS que apresentou aos parceiros no final de 2020? É que sendo tão diferentes não se pode subscrever os dois ao mesmo tempo. Enquanto a Lei de Bases abre para medidas inovadoras na organização e funcionamento do SNS, é uma lei emblemática da anterior legislatura, o projecto de Estatuto, nuns casos é omisso, noutros é deficitário e noutros ainda vai buscar o sector privado para resolver problemas imaginários, para ele não deixar de continuar com um pé dentro da gestão das instituições.

Estamos na dúvida sobre em qual dos documentos o Governo se revê, qual corresponde ao seu ponto de vista para o SNS: a Lei de Bases da Saúde ou o projecto de Estatuto do SNS que apresentou aos parceiros no final de 2020?

A ministra sabe que um saco de medidas conjunturais, mesmo ocasionalmente úteis, não fazem uma boa solução estratégica, pelo contrário, agravam as condições que as originaram dando-lhes mais tempo de vida; é que a situação indesejada já é uma consequência, nunca é uma fatalidade, faz parte do fluxo de acontecimentos que deveriam estar ausentes, mas que passaram a fazer parte da quinquilharia funcional, parecendo que já faz parte da mobília da casa.

Uma boa solução estratégica é aquela que previne acontecimentos evitáveis até que envelheça e entre em desuso, como acontece em toda a parte. Soluções estruturais como a Lei do SNS de 1979, as carreiras médicas, a contratualização, as USF, a Lei de Bases de 2019, por exemplo, são de longo prazo, nascem, crescem, desenvolvem-se e também morrem, dependendo a sua duração da conformidade e adaptação às necessidades que vão resolver. Dizem os que se fazem passar por cépticos que as leis não resolvem nada; não é verdade, antes de haver SNS teve de ser aprovada a Lei do SNS, em 15 de Setembro de 1979, e ser publicada em Diário da República, assim acontecendo com os exemplos referidos. A função de utilidade da legislação está na sua imprescindibilidade para legitimar o que se considera ser útil e deseja concretizar, são as regras dos regimes democráticos.

Este Governo está a braços com uma responsabilidade redobrada, afirma-se socialista e tem a apoiá-lo uma maioria absoluta de deputados, não se poderá queixar se fizer má figura. No que diz respeito ao sector da saúde o papel que fizer no SNS será disso sinal e o Estatuto a sua prova.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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