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O teletrabalho, estamos preparados?

O teletrabalho, estamos preparados?

O teletrabalho conduz a isolamento que pode ter diferentes graus e que, por sua vez, conduza incertezas de vária ordem, por exemplo sobre com quem falar sobre questões específicas, onde encontrar apoio específico, bloqueios de carácter psicossocial, como e quando abordar colegas.

Por Rosário Macário, Professora e investigadora em transportes, Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico

O teletrabalho é uma das consequências da covid-19 que veio para ficar. As razões que o motivam são diversas mas as suas consequências estão ainda longe de ser devidamente analisadas. 

O nosso contexto jurídico define o teletrabalho como “uma prestação laboral que é realizada com subordinação jurídica, praticada habitualmente fora do espaço da empresa e com recurso a ferramentas com suporte tecnológico e informativo”.

As vantagens apontadas têm sido diversas e elencadas em vários países. Alguns estudos têm revelado evoluções acentuadas do teletrabalho. A revista Economist reportou que antes da pandemia os Americanos gastavam 5% do seu tempo de trabalho em casa, na primavera de 2020 este valor já tinha atingido os 60%, excedendo todas as expectativas e reportando uma maior produtividade. Hoje já é claro que não se trata exactamente de produtividade mas de aumento de horas de trabalho, ainda que com maior bem-estar percebido.

Não há dúvida que o teletrabalho agrada a um segmento expressivo da população, que está em claro crescimento, e que inclui diferentes grupos etários. Antes da pandemia já alguns sectores tinham esta prática, nomeadamente analistas financeiros, free lancers de vários sectores, mas neste momento a prática espalhou-se por praticamente todos os sectores onde é fisicamente possível. As tecnologias de informação são naturalmente o principal parceiro desta nova forma de actividade, e vão continuar a sofisticar os seus produtos para este vasto mercado de clientes que lhes surgiu.

Não admira por isso que muitos países se vejam na necessidade de regular o teletrabalho no âmbito dos seus códigos laborais. Um estudo produzido pela Hoover Institution dos Estados Unidos da América (EUA), suportado num conjunto de inquéritos à população, estima que no período pós-pandemia haverá uma propensão para manter nos EUA 20% do trabalho em modo remoto, o que resultará num aumento de produção de pouco mais de 4%. 

Num estudo da OCDE, reportam que na Austrália, França e Reino Unido, em 2020 o teletrabalho foi praticado por cerca de 47% dos empregados. No Japão esta taxa subiu de 10% em Dezembro de 2019, para 28% em Maio de 2020. Este estudo revela também que a propensão para o teletrabalho é maior nas grandes empresas, nos colaboradores mais qualificados e nas mulheres.

Uma importante conclusão deste estudo é a evidência de que o aumento de produtividade percebida se revela sobretudo naqueles que são adeptos do teletrabalho. Portanto não parece ser possível generalizar este benefício, como se tem vindo a afirmar em vários locais e publicações.

É obvio que o teletrabalho traz desde logo um benefício financeiro, correspondente à redução dos custos de comutação (mobilidade casa-trabalho-casa), que é um dos fatores na raiz da redução de utilização de transporte público que tem sido sobejamente falado.

Uma implicação directa é sobre a forma como temos organizados os tarifários do transporte público, que hoje estão pensados para quem utiliza todos os dias transporte público, e que necessitam ser ajustados para esta nova realidade social. Mas esta é apenas uma das consequências, outras existem.

O teletrabalho reduz significativamente o contacto entre colaboradores, o que pode condicionar a capacidade criativa do grupo, e por consequência a capacidade de inovação das empresas. O método de contacto presencial é insuficiente para divulgar a informação nas empresas e promover a troca de ideias, é necessário evoluir para novas técnicas de comunicação que nos permitam manter os mesmos níveis de interação entre colaboradores com os correspondentes benefícios. 

A gestão empresarial, em particular a liderança de grupos de colaboradores, nas várias escalas hierárquicas das organizações, vão ver os seus métodos de actuação presencial perderem eficácia, e são confrontados com a insuficiência de ferramentas e a necessidade de aprender a liderar à distância. Esta questão tem implicações muito fortes na produtividade e criatividade das empresas. 

Mas a outra face desta prática não é menos importante. O teletrabalho conduz a isolamento que pode ter diferentes graus e que, por sua vez, conduz a incertezas de vária ordem, por exemplo sobre com quem falar sobre questões específicas, onde encontrar apoio específico, bloqueios de caracter psicossocial, como e quando abordar colegas. Todos estes efeitos podem conduzir a bloqueios e atrasos na produção do trabalho, e até mesmo a efeitos negativos mais duradouros. Os cuidados a ter com a condição psicológica dos colaboradores aumentam, mas será que as empresas estão preparadas e têm recursos para assegurar essa monitorização?  

Com impacte significativo é também a redução do espaço físico necessário para cada empresa, com uma apelativa redução de custos fixos, que poderá levar a algumas decisões precipitadas e com elevada irreversibilidade. Isto é, redução de espaço sem que a organização esteja segura da sua capacidade de gerir teletrabalho com o mesmo grau de sucesso da gestão presencial. 

Estas são apenas algumas das implicações que o teletrabalho pode ter. Estamos por isso longe de um problema que se resolva apenas por alteração dos direitos e deveres no código de trabalho, é necessário que as empresas privadas e organizações públicas tenham plena noção das consequências do teletrabalho e se preparem para gerir esse modelo de flexibilidade, que corresponde a uma mudança profunda das nossas dinâmicas laborais, com imensas consequências para outros sectores da nossa sociedade. 

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