jn.pt - 6 dez. 00:07
O mecanismo do lucro
O mecanismo do lucro
O Governo vai acionar mais uma vez o chamado mecanismo-travão para evitar a descida de preço de alguns medicamentos. Dito assim parece um absurdo, um contrassenso. E é. Não há maneira de olhar para esta medida com bondade. Por muito que queiramos. A perversidade que conduz a esta necessidade deve servir de reflexão.
Ainda todos nos lembramos, quando em choque vimos o Mundo mudar, como nunca imaginámos que pudesse acontecer, diziam-nos que a provação por que estávamos a passar ia servir de lição. Não serviu. Como não serviram outras provas que a humanidade teve de vencer. Há um lado a que não conseguimos fugir.
É esse lado sombrio que o mecanismo-travão deixa a nu. Tal como é explicado hoje nas páginas do JN, foi decido, através de portaria, que, no âmbito da revisão de preços, os fármacos de valor igual ou inferior a 15 euros não podem baixar; já no intervalo dos 15 aos 30 euros, a redução de preço não poderá ser superior a cinco por cento. Ao impedir por via administrativa que determinados medicamentos baixem de preço, alguns com pouca procura mas a servir para doenças pouco comuns, evita-se o seu desaparecimento no mercado e, assim, assegura-se o acesso dos doentes.
Parece que estamos a perceber mal, mas não. É assim mesmo. Quando deixa de ser lucrativo, a indústria farmacêutica, a mesma que apresenta ano após ano milhões de lucros, não se disponibiliza para produzir remédios sem margem de rentabilidade. Muitos dirão que é assim mesmo que o mercado funciona. Outros terão leitura diferente e veem aqui o capitalismo mais selvagem.
Portanto, não nos admiremos se a taxa de vacinação global, contra a pandemia, não chega sequer aos 7 por cento nas zonas mais carenciadas do planeta. As vacinas são um bem precioso das farmacêuticas, por isso, sem falhas, vão proporcionar todas as doses necessárias aos favorecidos - que continuam a viver em pânico perante o risco de serem contaminados pela imensa horda de deserdados.
Editora-executiva-adjunta